Morrer em Bagdá - Um romance iraquiano, de Sinan Antoon, poderia ter como título, igualmente, viver em Bagdá. Mais exatamente: viver em Bagdá sob o regime de Saddam Hussein. O livro, de autoria do mais importante jovem autor iraquiano exilado, com tradução direta do árabe por Khalid B. M. Tailche, contou ainda com a revisão técnica de Mamede Mustafa Jarouche e com a revisão literária de Ricardo Lísias. A espessura realista do relato e a força do transporte para certa realidade particular (que o romance realiza de maneira mais profunda que outras artes, como o cinema) são aqui garantidas pelo artifício de fazer o personagem central escrever o livro. Assim, não lemos o romance de Sinan Antoon, mas o manuscrito de um ex-prisioneiro (Furat) achado nos arquivos da polícia de Bagdá. O manuscrito nos leva, então, do dia-a-dia na prisão à adolescência e juventude do prisioneiro, misturando presente e passado, memória e alucinação, lado interno da prisão e lado externo - isto é, a prisão maior que era o país sob a opressão política, abrindo uma janela para o modo como a opressão, na prática, impregna a e se impregna na vida das pessoas e do país.na prisão não tem os pontos. E a primeira decisão do burocrata que o encontra é mandar colocar os pontos, para eliminar ambigüidades (algo como "pôr os pingos nos ii"). Daí o título do livro. Tal título tem, porém, também claras conotações metafóricas: por um lado, é o regime quem assim determina o sentido final do texto; por outro lado, é o livro que o leitor tem em mãos que, afinal, serve para "pôr os pingos nos ii" quanto à vida no Iraque de Saddam Hussein.