A questão que se coloca na presente obra é o novo lugar assumido pelo Estado no tocante à administração de sentimentos, em especial nas ações envolvendo o chamado abandono paterno-afetivo. O fato de que o Judiciário assumiu um protagonismo excepcional na administração das relações e afetos familiares nos últimos anos não é novi­dade. Ações de reconhecimento de paternidade, divórcio, partilha de bens, guarda de filhos e pagamento de pensão são comuns no cotidiano forense. A novidade são ações nas quais se reclama indenização por ausência de afeto, em especial na relação paterno-filial. O presente livro demonstra que o Poder Judiciário, com seu discurso, tem uma força constitutiva da realidade, e contribui para o desper­tar de novas moralidades e sensibilidades familiares. Contudo, para a constituição dessas novas sensibilidades dentre as quais está o aban­dono o Judiciário se socorre de uma racionalidade que seja capaz de dar crédito às percepções do abandono, pois os processos são permea­dos de uma lógica segundo a qual as emoções ocupam um lugar de não direito. As ações envolvendo as relações familiares comunicam, a todo instante, que a criança cuja infância foi marcada pela ausência paterna pode apresentar problemas futuros, de modo que as construções ju­rídicas em torno da supressão do abandono e os discursos jurídicos como um todo denunciam a percepção de uma normalidade familiar e de uma pedagogia da paternidade para alcançá-la.