Um livro deve ser lido independente do prefácio ou apresentação ou abertura. Os contos de Cagiano se sustentam sem essas minhas palavras. Portanto, quero mudar o caminho. Fala-se em literatura brasileira. É do que se deve falar. Mas o "conceito" de literatura brasileira (ao menos na mídia) acabou circunscrito a autores do Rio, de São Paulo, a alguns nordestinos, a outros de Minas, sem esquecer certos gaúchos. O que "sobra" de Brasil fica por fora e já é mais do que tempo de as coisas mudarem, saírem dos guetos, explodirem fronteiras. Ou então, vamos ter eternamente a literatura do Maranhão, a do Pará (com Dalcídio Jurandir), a do Piauí, a do Ceará (Com Raquel de Queirós), a do Mato Grosso (Com Ricardo Guilherme Dicke), a de Goiás (com Miguel Jorge), a do Paraná com (Dalton Trevisan, Miguel Sanches, Cristóvão Tezza, Wilson Bueno, Karam), a de Santa Catarina (com Salim Miguel) e etc. Excelentes autores que, involuntariamente, porque não depende deles, colocam na sombra o resto de uma produção da melhor qualidade. Estarão condenados a ficar à sombra, sempre? Digo isso depois de ler os contos de Cagiano. Um contista que poderia estar naquela antologia dos Cem melhores organizada pelo Ítalo Moriconi. Que poderia estar em quaquer antologia. Que poderia ter uma acolhida mais digna nos suplementos literários que "comandam" a informação no país: Idéías, Prosa & Verso, Caderno 2 do Estadão, o Rascunho, de Curitiba, e outros. Cagiano é contista maior com seu estilo, sua forma particular de escrever, seu pano de fundo brasiliense. Já está mais do que na hora de se olhar a produção cultural de Brasília, principalmente a literatura. Já temos duas gerações formadas lá e os romances e contos proliferam. Gente inquieta, angustiada, ansiosa. É uma cidade particular? É, para nós que estamos fora. Para eles, atípicos ou diferentes somos nós, os das cidades tradicionais, como me disse um dia um sujeito a quem pedi uma informação naquela cidade. Claro que essa cidade diferenciada produz criadores diferenciados e temos de olhar para eles. Cagiano está entre os novos/veteranos. Há anos escreve, tem sido publicado em suplementos, tem seus livros editados, é respeitado. Mas por que o resto do país não olha para a sua produção? Por que não se encanta - como eu - por histórias como a de Kafka perambulando por Cataguases? Cataguases que deu Humberto Mauro, Rosário Fusco e Luiz Rufatto. Nada mais kafkiano do que Cataguases. Sei disso porque nasci também em uma cidade kafkiana, Araraquara. Como se o Brasil atual não fosse inteiro kafkiano! Quando você abre o livro e começa pelos contos da mulher violentada e a visita de Kafka percebe que está diante de um escritor que sabe o que fazer, sabe para onde vai, como se vai, as conduções que deve tomar. É um escritor que conhece os atalhos e percorre a estrada com serenidade, indignação, raiva, humor, sarcasmo, passando aqui pelo trágico, ali pelo dramático, lá pelo rídiculo, pelo sublime, pelo prosaico. Ou seja pelo Brasil, olhando de Brasília. Por Brasília, olhando do Brasil. Cagiano, um escritor que te prende na primeira página. Não acredite, confira. Abra e veja se consegue parar.