Ao descortinar a história destes personagens anônimos e misteriosos e situá-los social, política e economicamente, novas imagens e representações se atualizam no cotidiano de nossas cidades, talvez, com outras denominações e significados. Os conflitos e tensões urbanos continuam crescendo e evidenciando a desigualdade, a ausência de oportunidades e de políticas públicas para todos. Diferentes interesses, sobretudo, especulativos e privados continuam sendo priorizados e os pobres e os "sem razão", cada vez mais, são expulsos dos centros urbanos. Estratégias sanitaristas e de limpeza humana se perpetuam, prevalecendo o domínio "da razão" e consolidando a unificação e absolutização do poder. Nesse cenário urbano, a autora cede as palavras aos seus personagens e os "loucos pela rua" são ouvidos e sua voz pode ecoar. Seus relatos interrogam racionalidades e saberes e, sobretudo, elucidam os mecanismos de sobrevivência encontrados por cada um deles, na tentativa singular de manter a vida e apaziguar a dor. O livro de Mercedes nos convida a vivenciar a escuta e sensibilidade, a observação inquieta, participativa e criativa da autora. Com ele, vivenciamos seus caminhos, seu silêncio e tenacidade; garimpando a vida latente entre delírios, reconstruindo laços, vencendo rupturas. Por intermédio dos seus notáveis relatos, convivemos com o Senhor dos Anéis e com o Senhor da Construção; com Dona Anja, com a Dona da Praça Sete e com Dona Branca. Se escolha ou contingência permanece ainda a interrogação, a importância da dúvida radica porque ela rompe com o estabelecido impulsionando possibilidades.