A literatura portuguesa vai bem e recomenda-se. Os últimos anos viram emergir um conjunto de jovens talentos - explorando caminhos novos ou continuando outros abertos pelas estrelas que os precederam, com destaque para António Lobo Antunes - capazes de se fazerem notar por entre a torrente de novos títulos que todos os dias chegam às livrarias. Tal prosperidade, surpreendente num país tão pequeno, com apenas dez milhões de habitantes, é o feliz resultado de trinta anos de investimento continuado na educação e na cultura, sendo de realçar, sobretudo, a excelente rede de bibliotecas públicas edificada desde a Revolução de Abril. Patrícia Reis, de 35 anos, representa bem esta nova vaga. Jornalista cultural, editora de uma das mais belas revistas em língua portuguesa, a Egoísta, com direcção gráfica de Henrique Cayatte, revelou-se, enquanto romancista, em 2004 com Cruz das almas. Em 2006 publicou Beija-me e Amor em segunda mão. Júlia está no carro. O som, ligado. Ela ouve Cajuína - existir a que será que se destina - de Caetano Veloso, e pensa na lógica divina de quem sabe o desassossego das angústias partilhadas. Nesse trecho de intensa delicadeza, a personagem nos revela uma síntese do romance, pois é de emoções partilhadas que ele se faz. Trata-se de um verdadeiro romance polifónico, no qual 11 personagens-narradores analisam alternadamente, em tom confessional, suas relações afetivas e profissionais. Patrícia Reis compõe, dessa maneira, um mosaico de vidas que se passam a limpo: Francisco, HIV positivo, descobre que seu contentamento é uma fachada há muito arruinada; Diogo, um ousado menino, toma consciência das perturbações familiares e de que os adultos se perdem com alguma facilidade; Miguel aceita a homossexualidade e assim, talvez, torture-se menos. Todos os personagens - mediante uma linguagem que se aproxima muito da fala - conquistam-nos rapidamente. É um romance absolutamente encantador pela dimensão humana que carrega em suas linhas. Amor em segunda mão expõe, brilhantemente, as angústias e dificuldades, mas também a energia, de que faz hoje a vida de homens e mulheres no ambiente febril dos grandes centros urbanos.