Para os lados da Índia, algures na costa ocidental do sub-continente, existe um lugar insólito. Quem lá chega pela primeira vez estremece e duvida, estranha e reconhece, descobre mas continua a indagar. Muito. Em Goa, nada é simples. Em Goa, tudo é complexo. Quais as razões do sortilégio desta terra? Para o estrangeiro, antes do mais, será a Índia, nação avassaladora e perturbante. Depois, experimentará um sentimento de felicidade instilado por uma natureza verde e tropical, batida pelo mar. Mas, então, notará algo mais inesperado, sinais declarados de ocidente, mas de um ocidente que ao mesmo tempo lhe é alheio e parece longínquo no tempo. São igrejas, cruzes, casas, vestidos, hábitos, alimentos, palavras. Aqui, até os outros indianos sentem dificuldade em reconhecer a paisagem como familiar. Goa consegue este extraordinário paradoxo: é exótica naquela que é para o resto do mundo a terra do exótico por excelência. E o seu encanto é o do desencanto. Uma Índia que não o é, um Portugal que nunca o foi - porque nunca o poderia ter sido. Para ocidentais e indianos, portanto, um mundo que embora soe estranho não é estrangeiro. Uma fascinante imperfeição, pois. Procura-se perceber e o mistério adensa-se. Eles pretendem falar pela História, estes goeses, sejam eles católicos ou hindus. Mitificam, contradizem-se, afirmam-se, interrogam-se, entristecem também. Desconcertam. Brandem episódios violentos do passado quando tudo em seu redor aparenta, pelo contrário, harmonia. Tanto, com efeito, desorienta tão intensamente em Goa. Mas que História foi esta que aqui se passou, afinal? O que aconteceu em Goa foi um encontro. Um encontro entre indianos e portugueses que durou 451 anos. Mas será chamar-lhe encontro apenas uma fórmula polida de evitar uma outra palavra que se escreve de maneira mais crua e dolorosa? A colonização dos portugueses em Goa foi, também ela, atípica. Houve quem lhe chamasse mestiçagem espiritual.