Conheci Artur Jorge Paulino num misterioso e precário estúdio de rádio, sótão da palavra dita, dos ritmos diversos da voz. Era aí, já lá vão uns anos, o silêncio que pontuava, e o tempo que media e mediava esse intervalo entre frases. Parceiros dessa arte de omissões e de sons, partilhámos o apreço pela poesia, o entusiasmo pelo dizer que procurava evitar os escolhos da declamação poética mais habitual. Rádio, sala, mesa atulhada de livros, folhas de papel, a nossa amizade ficou assim, porque assim nasceu, rodeada de poemas e biografias de poetas, numa espécie de fúria sagrada desagravando as Musas do éter e vencendo as carências da parca tecnologia. Um poeta quase desconhecido bem podia encher-nos o serão, devolver à vida um vate soterrado pelo esquecimento deixava-nos um gosto como que de dever cumprido, tirar a grande poesia do seu pedestal poeirento era uma ambição nossa, quase diária, certamente ingênua. E os poetas novos encontravam naquele sótão o conforto hertziano (...)