Encontrei Faíza num lugar de desencontros: na cabine de um avião. Viajávamos ambos de Maputo para a Ilha de Moçambique. Eu seguia numa das minhas expedições biológicas cujo fim era colectar búzios, raízes, amostras de fauna. Ela ia colectar pedaços da sua própria vida, procurando por vozes, ecos de uma existência infinitamente repartida e hibridizada. Quando o avião levantou, a sua mão procurou o meu braço e cravou as unhas para vencer o medo de voar. Depois, quando me narrou partes da sua história, fui eu que levantei voos a ponto de lhe dizer: "Você devia escrever isso." Ela sorriu e a malícia desse riso triste me fez suspeitar que ela fosse escritora. A meio da viagem me dei conta: Fazia Hayat estava desviando o avião. As histórias que me contava faziam-me voar numa outra direcção, para outros encantados destinos. O meu destino não era mais a Ilha. Viajava, sim, pelos relatos de uma mulher extraordinária, repartida entre Goa, a Europa e África, uma costureira de lembranças e de identidades. Revejo algumas dessas histórias neste livro, reescritas no mesmo tom belo, misterioso e inquietante. Nestas páginas se revela o delírio que faz surgir o universo na pequenez de um quarto de dormir. E se confirma que, se escrevemos para ter raiz, só o poderemos fazer se tivermos suficente asa. O ser-se demasiado de um lugar pode impedir o voo. Afinal o medo de voar é falso. Ela vive em voo e repartindo com os outros o sentido de vertigem. A condição de Faíza é a sua permanente disponibilidade para viajar por outras almas e cumprir o provérbio africano que diz: "Eu sou os outros." Ou como diz Fernando Pessoa citado por Faíza: "Eu sou uma antologia."