A vida na prisão é feita de tensão, incerteza, angústia e sofrimento, não apenas pela privação da liberdade, mas sobretudo pelas regras e normas de comportamento e de linguagem que se constituem nesse meio e, particularmente no caso brasileiro, as regras e normas informais, não declaradas. No sistema penitenciário há muito de subentendido e de velado, de sugerido e de incerto, modos de falar e de se agir que mudam de lugar para lugar, de tempos em tempos, de acordo com o gênero e com as várias experiências individuais que se encontram e se reinventam na cadeia. Isso traz um desafio àqueles que, não sendo detentos ou funcionários do sistema penitenciário, trabalham em ambientes assim: o desafio de entrar e sair, de ler a cadeia mergulhando em suas celas e percorrendo seus corredores para sair do outro lado, com olhos ao mesmo tempo impregnados dessa vivência e distanciados de seus enganos e do autoengano. Natalia Timerman faz dessa experiência, ou desse conjunto de experiências, um relato coeso e conciso sobre a vida e a morte, a rotina e a esperança, o confinamento e a liberdade, o sonho e o pesadelo, a violência e a carência, o conflito e a solidão. A maneira com que a autora estrutura seu relato é inventiva e eficiente, sem deixar de lado os compromissos éticos envolvidos nessa empreitada. Ao combinar a objetividade da observação com a reflexão subjetiva e participante de quem se deixou transformar pela travessia, a autora encontrou uma maneira de contar o que viveu a partir de histórias de detentos e detentas que passaram pelo Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário. São reveladores os relatos sobre a maneira como as informações circulam entre o espaço da prisão e a rua, ou seja, o mundão lá fora, em uma rede de comunicação pautada pelo crime, em uma roda viva que faz da passagem pela cadeia essa marca indelével não apenas na constituição física de homens e mulheres, mas também, e talvez principalmente, na alma dessas pessoas.O resultado não é um livro sobre o atendimento psiquiátrico em um hospital penitenciário. O que a autora faz aqui é uma narrativa complexa, envolvente e de dimensão literária, sobre uma experiência de realidade muitas vezes impermeável, sem sentido e dura, que pede imaginação, empatia e escuta para ganhar significado e continuidade, sem que as pessoas esmoreçam. A autora sabe que o mais importante é não julgar, é ouvir e tecer a trama de sentido, muitas vezes oculto, outras tantas inexistente, mas que aparece, emerge e é construído no encontro, na conversa, nas histórias que vão sendo construídas pela fala e pela escuta.