Lá pelos 11, 12 anos, não que Djavan Caetano Viana não jogasse bola nas várzeas poeirentas de Maceió, como qualquer menino de sua idade. Ele jogava, e bem. Chegou até a despontar como meio-campo no time do CSA, onde se quisesse teria feito carreira profissional. Mas seu campo de jogo era de fato outro: um amplo salão na casa do Dr. Ismar Gatto, pai de seu amigo Marcio, onde havia um poderoso equipamento de som quadrifônico. E, o que é melhor, para preencher aquela sonzeira toda, rara mesmo nos grandes centros, raríssima na Maceió dos anos 1950, também havia uma coleção de discos que parecia conter toda a música do mundo. Foi lá que o menino ouviu a música eterna de Bach, Beethoven e de todos os clássicos. Foi lá que descobriu a liberdade do jazz, das loucuras de Miles Davis e John Coltrane ao canto de Ella, Sarah e Billie. Foi lá também que descobriu a tradição brasileira, de Noel a Jobim, das escolas de samba ao samba canção, da riqueza harmônica e das síncopes rítmicas. Foi lá que ouviu Jackson do Pandeiro, Ary Lobo, Luiz Gonzaga e descobriu que aqueles cantadores nordestinos que ele via mesmo nas ruas da cidade faziam também grande música. Foi lá que surgiu a intuição de que ele próprio poderia fazer música, uma música sua, indelevelmente sua, mas que de certa maneira contivesse tudo aquilo que ele ouvia na viagem sonora pela coleção de discos do doutor Ismar. Foi lá, naquele salão acolhedor de casa de província que - parafraseando o que certa vez o poeta Torquato Neto disse de Gilberto Gil - Djavan descobriu que das formas de se fazer música, ele preferia todas. O resultado desse verdadeiro alumbramento sonoro está integralmente neste songbook, em cada uma das mais de 200 canções escritas ao longo dos últimos 30 anos. Pela rara associação da diversidade mais extrema com o estilo mais singular, o que se tem aqui é o documento da evolução de uma das obras mais importantes da música brasileira, que conseguiu ao mesmo tempo ser a mais popular possível sem abrir mão da sofisticação mais extrema. Djavan sabe da importância de um songbook pois, quando saiu do salão da música já contaminado por ela e descobriu o violão como instrumento, foi àquelas revistinhas de cifras de banca de jornal que recorreu para aprender a tocar. Soube logo da precariedade delas. E como deseja que sua música seja de fato popular, tocada Brasil e mundo afora, resolveu torná-la acessível em cifras e partituras. E da forma como ela foi composta, com as suas harmonias, seus desenhos melódicos inusitados, suas quebradas rítmicas, a sua poesia muito pessoal. Revista em perspectiva, como está aqui, em ordem cronológica, disco a disco, a obra de Djavan parece que foi imaginada racionalmente tal como ela é, e não que foi construída passo a passo, mais com a emoção do momento do que com razão do tempo.