Este estudo de Susana de Castro aborda o coração do pensamento aristotélico, justamente nas passagens em que esse pensamento apresenta maiores problemas e nos deixa várias lacunas nas explicações. Por isso, foram as passagens que mais requisitaram a reflexão dos filósofos. As diversas abordagens e soluções trazidas ao longo dos séculos não apenas contribuíram para a exegese do Filósofo, mas desencadearam concomitantemente escolas e linhagens de pensamento cujos temas e questões ganharam autonomia em relação à própria obra de Aristóteles. Na interpretação desses textos, muitas vezes podemos perceber o desenrolar da história ocidental: que temas e problemas interessam e são preferidos, que visões de mundo são colocadas em jogo, que saberes ou ciências concorrem para orientar as perspectivas de cada tempo. Isso se reflete inclusive nos conceitos que prevalecem e nas suas traduções, que passam a valer como vocabulário básico e fundamental da filosofia e das ciências. Um conceito-chave que percorre tanto a compreensão do pensamento de Aristóteles como toda a filosofia ocidental, até nós, é o conceito de "substância" [ousia] também traduzido por "essência" (desde Cícero) ou, menos freqüentemente, "entidade" [entity: Owens], "vigência" [wesen: Heidegger], "estância" [étance: Couloubaritsis] etc. A discussão de Susana de Castro não envereda pela problemática da tradução: ela usa o conceito na sua forma mais tradicional, tal como foi traduzido para o latim por Guilherme de Moerbecke, no século XIII, e difundido na filosofia medieval e moderna por Tomás de Aquino e as diversas e reiteradas sistematizações da Escolástica. Porém, ela não o usa para reforçar essa tradição interpretativa, mas justamente para ter em mira o problema que vai enfrentar. O termo substância difundiu-se não apenas na filosofia e na problematização ontológica por toda a modernidade, como também foi adotado pelas ciências setoriais, como a química, e pelo uso comum, no sentido de elemento ou composto homogêneo. Precisamente essa concepção é criticada pela autora, que demonstra que o próprio Aristóteles já discutia e se opunha a um tal tipo de interpretação do principio de realidade, presente em filósofos como Empédocles e outros fisiólogos antigos. O que orienta a crítica de Aristóteles e o estudo de Susana de Castro é uma visada que tem por orientação menos os elementos e substratos homogêneos que se tornam objetos da química ou da fisiologia mais antiga, do que o princípio vital que dá unidade ao organismo vivo, e que seria o objeto fundamental do que nós hoje chamamos biologia, mas que Aristóteles melhor chamaria de psicologia.