Amartya Kumar Sen nasceu em Santiniketan, índia, em 1933. Foi professor na Delhi School of Economics, no London School of Economics, em Oxford e em Harvard, onde, por uma década, lecionou Economia e Filosofia. Desde 1998 é Reitor do Trinity College, Cambridge (onde, em 1959, recebeu seu Ph. D.). Sen ocupa uma posição singular entre os economistas modernos: é um notável economista teórico, uma autoridade mundial em teoria da escolha social e economia do bem-estar social; é um pesquisador de ponta em economia do desenvolvimento, estudando a eficiência de investimentos em países pobres e realizando análises econômicas inovadoras sobre a fome; tem influenciado enormemente análises e programas de organismos da ONU e do Banco Mundial, entre outros. Ajudou na elaboração do novo cálculo do chamado índice de Desenvolvimento Humano, publicado este ano, que provocou críticas de economistas do governo brasileiro. Publicou, entre muitos outros, Poverty and Famines (1981) e Choice, Welfare and Measurement (1982). Desde o início da década de 70, Sen vem realizando uma crítica rigorosa e sistemática dos fundamentos da economia do bem-estar social e das limitações (teóricas e práticas) de suas conseqüências. Em 1998, ganhou o Nobel de Economia “por suas contribuições à economia do bem-estar social”. Dentre elas, destacam-se estudos mostrando que as verdadeiras causas da pobreza (e da fome) não são eliminadas pelos booms econômicos e conseqüentes aumentos de renda média anual. Dizendo-o de modo um tanto enigmático: existem mais coisas envolvidas no “desenvolvimento humano” do que o simples reducionismo do bem-estar econômico (isto é, ver valor intrínseco somente nas satisfações, medidas homogeneamente como utilidades) permite conceber. Aceita-se hoje que, em política econômica e filosofia moral e política, todos, em algum momento, defendemos a igualdade de alguma coisa. Mas qual a métrica que um igualitarista deve usar para melhor avaliar a extensão da realização da igualdade em sociedade? Ou ainda: qual aspecto da condição de uma pessoa deve contar como fundamental? No célebre artigo “Equality of what?” (1980), Sen apontou “o que deve afinal ser igualado?” como a pergunta fundamental para a compreensão do igualitarismo. Um novo exame da desigualdade é, ao mesmo tempo, uma apresentação sistemática das dificuldades a serem enfrentadas por qualquer teoria que pretenda responder essa pergunta e uma defesa da resposta de Sen. Nesse exame, a fronteira entre ética e economia se desfaz: não há como escolher entre medidas da desigualdade (para diferentes contextos de avaliação) sem ao mesmo tempo escolher, ainda que implicitamente, alguma concepção do que seja bom ou vantajoso para o ser humano. No seu artigo, Sen apresentou suas objeções ao igualitarismo utilitarista (deve-se igualar o bem-estar), ao igualitarismo de John Rawls (deve-se igualar certos meios – especificamente, os chamados “bens primários” - para o bem-estar) e introduziu a sua própria resposta: a meta é igualar capacidades. Corrigindo deficiências das métricas utilitarista e de Rawls, as capacidades são a medida de algo “posterior” aos “bens e recursos” que uma pessoa usa para alcançar seus objetivos, e “anterior” às “utilidades” da satisfação experimentada por alcançá-los. Em Development as freedom - seu mais recente livro – Sen observa diretamente que a capacidade é um tipo de liberdade. Um ponto nevrálgico de Um novo exame da desigualdade é justamente a análise difusa da relação conceitual da capacidade com as muitas classes de liberdades tradicionalmente estudadas (positivas ou negativas, substantivas ou formais) e do modo como a capacidade é a medida mais adequada para determinar aumentos ou diminuições de liberdade em variados contextos interdependentes de avaliação (pobreza, desníveis de renda, padrões de vida, justiça, desigualdade entre os sexos, desigualdade de oportunidades, etc). A luta pela existência material está finda. Foi vencida. Terminou a necessidade de repressões e disciplinas. A luta pela verdade e por aquela necessidade indescritível, a beleza, começa agora, desimpedida por qualquer das necessidades mais baixas. Agora ninguém necessita viver ou ser menos que seu máximo limite. Estas linhas indicam um ponto de fuga fundamental para traçar uma perspectiva da vasta obra de Sen. O objetivo mais abrangente da economia é a promoção do “desenvolvimento humano”, visto como um processo de emancipação de necessidades que forçam o ser humano a “viver ou ser menos” (Sen 1984: 510). O que é uma sociedade humanamente desenvolvida? Segundo o igualitarismo de Sen, é uma sociedade em que todos tenham igual liberdade para escolher seus objetivos e finalidades particulares (as coisas que valorizam por alguma razão) e nessa busca enfrentem o mínimo possível de obstáculos à realização de suas potencialidades. Sob condições de pobreza, fome, desemprego, desamparo ou insegurança sociais e econômicos, costumes ou governos que tiranizam, as pessoas podem nem sequer conseguir conceber alternativas à sua miséria, nem mais cogitar de suas potencialidades e possibilidades de mudança. E isto diz respeito sim à Economia, sempre que suas avaliações não se limitarem a algum cálculo de tipo utilitarista. E há uma razão decisiva (com conseqüências múltiplas) para não aceitarmos este limite: a métrica utilitarista, medindo graus de felicidade ou satisfação de desejos, tende a distorcer a natureza das privações e reduzir inaceitavelmente o domínio dos valores que moldam a vida de uma pessoa. A Economia Normativa é um ramo da Ética, entendida tal como Aristóteles a "batizou": uma investigação arrazoada sobre os constituintes do bem humano. E, parafraseando Aristóteles - conforme uma passagem seguidamente apresentada por Sen -, não bastaria dizer que a Economia se limita a investigar a riqueza (sua produção, reprodução etc.), pois a riqueza não é a "coisa" que almejamos, algo que seja intrinsecamente valioso (ou bom) para a vida humana, e não seja valioso por servir de meio para alcançar outros bens, apenas externo ao (instrumentalmente bom para o) florescimento desta vida (como se admite ser o valor dos chamados “bens econômicos”). Assim, devem existir coisas que não valem pelos resultados que ajudam a produzir, mas porque consistem em estados ou atividades intrinsecamente valiosos: são os chamados “funcionamentos”. Mas funcionamentos não dão conta de tudo o que há de valioso na vida humana. Um exemplo bem conhecido ajuda a esclarecer o porquê. Duas pessoas passam fome. A primeira, porque não tem comida suficiente para ingerir; a outra, porque jejua obedecendo a preceitos religiosos. Ambas realizam o mesmo funcionamento. Contudo, há uma diferença crucial entre elas: aquela que jejua poderia ter feito outra escolha. Não passa fome por falta de alternativa. São muito diferentes seus graus de liberdade de escolha. A Economia Normativa que Sen ajudou a construir, criticando minuciosamente e ampliando os horizontes restritivos de investigação da economia do bem-estar, consiste no estudo sistemático do que deve ser socialmente feito para garantir às pessoas acesso igual ao maior conjunto possível de “funcionamentos”. Busca-se igualar diretamente as liberdades para cada pessoa realizar os funcionamentos que considera valiosos. Estas liberdades, sustenta Sen, são melhor refletidas e ponderadas (assumem pesos relativos mais adequados) pelas “capacidades”. Boa parte dos argumentos de Sen compartilha de um importante pressuposto: precisamos de uma abordagem da igualdade que tenha uma “base informacional” rica o suficiente para refletir a complexa pluralidade de aspectos valiosos de uma vida. A “abordagem da capacidade” é superior às outras principalmente por ser informacionalmente mais rica. O que isto quer dizer? Os princípios normativos que fundamentam os diferentes igualitarismos servem para fazer juízos sobre vantagens relativas com base em alguma variável. A variável “filtra” um tipo de informação (p. ex. utilidades) e descarta - como irrelevantes - outros tipos. Essa é a “base informacional” do princípio em questão. Ela pode ser mais ou menos restritiva, filtrar um número menor ou maior de tipos de informação. Em diferentes passagens, o leitor verá referências a tais considerações (que mostram como o “formal” e o “substancial” estão imbricados). Desigualdade Reexaminada tem a marca intelectual de Sen: é erudito mas sem truques, abrangente mas sempre focalizado, generoso com seus oponentes, esclarecedor de ‘conexões’ inusitadas entre a economia e a ética, minuciosamente crítico e construtivo. Tal como seu livro anterior sobre a desigualdade, On Economic Inequality (1973), já é um clássico. Guiado por mais este mapa “borgeano” confeccionado por Sen (as referências bibliográficas ocupam 44 páginas na edição original!), o leitor perceberá que o trabalho mais difícil em “filosofia econômica” é precisamente o de enunciar os verdadeiros problemas. R.D.M. outubro de 1999.