Sobre a neblina é o primeiro livro de Christiane Tassis, premiada - em 2004 - com a Bolsa Flip de Criação Literária. A prosa de Christiane é singular, versátil e delicada; o enredo ganha força por meio de imagens vibrantes e criativas, além de sua trama inesquecível. São atributos que revelam, sem dúvida, um talento para a novíssima literatura brasileira. Este romance, como as cidades modernas, abre-se para muitas leituras. São variados discursos, personagens, emoções e modos de olhar que procedem arqueologicamente. Há lentes, flashes, zoons que se lançam a restos e ruínas da vida de Henrique, fotógrafo que pode morrer a qualquer momento em função de um tumor cerebral. Existe ainda outra morte: o esquecimento gradativo, causado pelo tumor. Trata-se da morte figurada, metafórica, mas igualmente cruel e desoladora. Para fugir das páginas em branco (símbolo de angústia e medo para quem escreve ou pinta), Henrique contata Lúcia, sua ex-namorada, e encomenda-lhe uma biografia: "Sou agora o que você se lembrar, o que você me disser. Sua memória será minha única forma de existir, até que eu me transforme em um pequeno ponto final, que desconhece o parágrafo que havia antes", ele escreve. Lúcia abandona o caderno "Cotidiano Mineiro", onde trabalhava sem entusiasmo, e busca entrevistar Simone, Camila, Mariana, Lulu, Estela, todas ex-mulheres de Henrique, assim como ela. À medida que a narradora escreve o livro, mapeia não só a vida de Henrique como também reestrutura a sua própria. Descobre uma vocação: ouvir o outro, escrever, relatar, ficcionalizar. Intermediado pela sua fala, conhecemos diversos Henriques, um Frankstein engendrado pelos relatos de suas ex-namoradas. Existem, porém, lacunas sobre a história de Henrique. O que fazer? Abandonar essa biografia? Ficcionalizá-la? Investir na incompletude a que toda obra pode se permitir? Sobre a neblina não é um romance para quem busca certezas.