Há uma piada que diz que uma prostituta é tudo, menos uma "mulher de vida fácil". As meninas da Daspu, de Anna Marina Barbará, lançamento da Editora Novas Idéias, mostra que toda brincadeira tem um fundo de verdade. Não, as prostitutas não têm uma vida fácil. Ao contrário: a prostituição, para elas, aconteceu como uma saída natural para a pobreza, para a rigidez familiar, para a solidão. Prostituição é, acima de tudo, uma profissão que só é reconhecida como um bem maior por quem precisa dela - prostitutas e clientes. Cuidei dos meus irmãos e não pude estudar. A gente trabalhava muito na roça. Nós plantávamos cana, milho, mandioca, feijão, melancia. Colhíamos coco para fazer dendê. Minha mãe ia para a ribeira lavar roupa e depois ficava limpando bucho. As pessoas pagavam a ela para salgar aquelas carnes todas. Então, de tarde, lá pelas cinco horas, eu e minha irmã, a gente tomava banho, dava banho nos dois, deixava lá e ia para a ribeira ajudar minha mãe, porque era muita carne, para deixar em casa para os donos irem pegar. Foi assim dos sete aos 14 anos. A minha vida era essa. Infância mesmo de brincar com outra criança a gente não tinha. Era muito trabalho, muito trabalho mesmo. Em As meninas da Daspu elas falam da infância, do trabalho, dos clientes, dos filhos, dos amores, das dificuldades, da solidão e da amizade. São 9 depoimentos, colhidos pela pesquisadora Anna Marina Barbará, que mostram que, por trás da mulher seminua na esquina de Copacabana, no inferninho da Praça Mauá ou na vastidão da Central do Brasil, existem pessoas com sonhos como qualquer "mulher direita". Pois é isso o que elas são: trabalhadoras com rotinas, ascensão profissional, sonhos de uma melhor vida. Ou de um fim se dor. Eu cheguei no Talavera Bruce em 1986. Eu não sei como é agora, pois tem 15 anos que eu saí do presídio, mas na época eles colocavam uma lista com o nome das pessoas que deveriam ir ao ambulatório médico. Você só via as pessoas voltando querendo se cortar, desmaiando, gritando. Eles chamavam e diziam para as pessoas: "Você está com Aids". Sem nenhum suporte psicológico, sem nada. E foi uma coisa tão impressionante essa relação com a AIDS... Até então ninguém tinha nada na verdade, ninguém tinha nenhum sintoma. E foi uma epidemia de sintomas impressionante: tuberculose, manchas, caroços, tudo isso apareceu depois que ficaram sabendo. O que elas têm em comum: a organização Davida, uma entidade criada para dar suporte, orientação e educação às prostitutas de todo o Brasil. A adesão foi grande, e hoje a Davida tem sua própria grife de roupas, a Daspu, que transforma o que antes era sujo e pervertido em algo contemporâneo e fashion. A grife, que foi centro de polêmica por conta da semelhança com a loja multimarcas de grifes internacionais Daslu, entrou no panteão das etiquetas alternativas cariocas que nasceram travestidas de projetos sociais, como a CoopaRoca (da cooperativa de costureiras da Rocinha) e a Parceria Carioca (que vende a produção do Projeto São Cipriano, em Campo Grande, periferia do Rio). A Daspu foi tudo pra mim. Até porque eu consegui realizar o meu sonho de criança, de ser modelo. Mas quando a idade chegou, eu vi que não daria mais pra realizar esse sonho. Até saí em revista, jornal e tudo. Melhor foi aquela revista "Vogue" do Brasil. A "Vogue" foi tudo de bom! A primeira vez que eu me vi no jornal comecei a chorar. Liguei pra minha irmã chorando. Sinceramente eu consegui realizar o meu sonho e ainda vou realizar mais ainda... Tem o preconceito com a gente, mas eu acho que esse preconceito já acabou 100%. Eu estou me sentindo (risos). Cida, Maria, Lina, Marilene, Doroth, Rita, Jane, Roza, Dolores e tantas outras - elas são As meninas da Daspu, e nos mostram que, por trás de todo folclore, preconceito, repressão, rótulos e estereótipos existem apenas mulheres que amam, choram, riem e lutam por uma vida melhor.