Neste livro, encontramos Merleau-Ponty em dois momentos distintos. Primeiramente, aos 25-26 anos, quando elabora e realiza o seu projeto de pesquisa sobre a natureza da percepção. Em 1933-1934, ele se volta para as noções correntes de consciência e de sensação, interroga a fisiologia, a patologia e a psicologia da percepção ? concebe, de modo original, a clivagem entre a consciência das coisas e uma consciência imanente. O jovem fenomenólogo revisita a Gestaltpsychologie na delimitação de seu objeto e nos seus métodos de análise, acompanha a percepção de mundo da criança e toma distância perante as fórmulas representadas por Piaget, mas não se dá por satisfeito com as consequências filosóficas que é preciso extrair das investigações científicas. Também o encontramos após a Segunda Guerra Mundial, agora com 38 anos. Em 1946, perante a Société française de philosophie, expõe O primado da percepção e suas consequências filosóficas. O filósofo não vincula o sujeito ao determinismo de uma natureza exterior, mas o recoloca no berço do sensível, que ele transforma sem abandoná-lo, assim como o sujeito também não é submetido a nenhuma história em si: a história são os outros, a relação de intercâmbio que temos com eles e fora da qual nosso ideal assume figura de álibi. Após instituir a percepção como modalidade original da consciência, examinar a relação orgânica entre sujeito percipiente e mundo percebido, Merleau-Ponty pensa os resultados de sua pesquisa, não sem mostrar, a cada passo, que a experiência da percepção nos ensina a passagem da certeza da ideia à certeza da percepção ? seu entrelaçamento proporciona, em suma, a unidade do tempo. Nesse sentido, toda consciência é perceptiva, inclusive a consciência de nós mesmos. Não haverá, portanto, nenhuma destruição do absoluto ou da racionalidade, senão do absoluto e da racionalidade separados.