Obra sem similar em língua portuguesa, e talvez em todas as outras línguas, o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo, reaparece em nova edição, revista, atualizada. A mitologia conta que em luta com Hércules, Anteu, filho da Terra, cada vez que tocava o chão renovava as forças, como se ganhasse uma nova vida. À semelhança do gigante grego, o dicionário de Cascudo renova a sua importância, cada vez que reaparece nas livrarias.Espécie de súmula de mais de quarenta anos de estudo e pesquisa apaixonada do folclore e da etnografia brasileira, a obra é também uma síntese viva e palpitante, através de milhares de verbetes, das superstições, crendices, mitos, danças, lendas, práticas mágicas adotadas e vividas pelo povo brasileiro em seu cotidiano.Aliás, é isso e muito mais do que isso. Registra, por exemplo, locais de devoção popular, como Bom Jesus da Lapa, na Bahia, Aparecida e Bom Jesus de Pirapora, em São Paulo, formas de trabalho cooperativo (mutirão), movimentos de rebeldia popular, como o cangaço, informa sobre os cangaceiros mais famosos, aqueles que deixaram um rastro de fama e de sangue na alma popular (Cabeleira, Lampião) e, por contraste e complemento, os santos preferidos pela devoção popular: São Jorge, Lázaro, José, João, Pedro, Gonçalo, Antônio e seu duplo, muito venerado pelos escravos, Santo Antônio Preto.Pode-se afirmar que não há ocorrência de caráter folclórico ou etnográfico que não esteja registrado em seu devido verbete, sempre enriquecido com bibliografia indispensável ao aprofundamento do assunto. Mais do que um dicionário, a obra de Cascudo é uma introdução à cultura viva do povo brasileiro que, graças à cooperação de estudiosos, se amplia e enriquece a cada edição. Como dizia a Bíblia, escrever livros (sobretudo dicionários) é uma tarefa sem fim.Impossível não se lembrar de Luís da Câmara Cascudo, quando o assunto é "costumes brasileiros". Em sua especialidade, ele foi o único estudioso com uma visão verdadeira do nosso folclore, mesmo tendo vivido por quase nove décadas no seu Rio Grande do Norte.Em 1939, para facilitar suas consultas, Luís da Câmara Cascudo - que além de folclorista era historiador, advogado, etnólogo e professor - começou a organizar um temário sobre o folclore brasileiro. Lendas, mitos, superstições, indumentárias, comidas e bebidas tradicionais, santos favoritos, folcloristas e vinte outros temas foram colocados em ordem alfabética, com as respectivas referências bibliográficas. Com o passar do tempo, amigos e colaboradores do autor forneceram novas informações e verbetes, acrescidos ao material já existente. Sem que Cascudo percebesse, esse trabalho estava se tornando o embrião do que veio a ser o Dicionário do folclore brasileiro.Em 1954, depois de aproximadamente quinze anos de trabalho incessante, e de inúmeras correspondências trocadas com pesquisadores brasileiros e estrangeiros - numa época em que o fax e a internet não existiam -, o Dicionário do folclore brasileiro teve sua 1ª edição lançada pelo Instituto Nacional do Livro. Reconhecida como uma das principais obras de referência publicada no Brasil, esta é, sem dúvida, uma das mais importantes escritas pelo professor Cascudo, das mais de 150 que escreveu.Esta 12ª edição que a Global Editora leva às livrarias é basicamente a mesma publicada em 1979, ano no qual o autor acrescentou suas últimas observações ao texto, cuja 1ª edição alcançava 25 anos. Em relação à edição de 1979, foram alteradas apenas a ortografia (conforme o Acordo Ortográfico estabelecido em 1990) e, em comum acordo entre a família Cascudo e a Global Editora, a lista de obras do autor citadas no dicionário.O Dicionário do folclore brasileiro reflete a tradição do povo brasileiro, recolhida e registrada pelo incansável Câmara Cascudo, sem nenhum julgamento da parte do professor. Ciente de que era o precursor de muitos estudos e obras sobre costumes brasileiros, sabiamente o autor cunhou a seguinte frase: "os defeitos que minha obra tiver serão aqueles comuns a quem abriu uma picada no mato, os defeitos de quem foi o pioneiro".