Habitar um mundo onde desconhecemos o certo do errado, o justo do injusto, o Bem do Mal - eis a "crise da modernidade", segundo Leo Strauss, que em The Three Waves of Modernity deu rostos a essa crise. O primeiro deles teria sido Maquiavel, o florentino que aceitou a divisão profunda entre ser e dever ser, recusando o horizonte espiritual do Cristianismo e procurando numa reactualização da Roma Antiga as virtudes pagãs para a manutenção do poder. Se a fortuna é como uma mulher que pode ser subjugada pelo uso da força, de nada valem as antigas piedades cristãs. Elas podem ser boas para a alma individual, mas são nocivas para a firmeza e a conservação dos Estados. Nas "vagas da modernidade" de Strauss, o que começa com Maquiavel continua com Rousseau e termina com Nietzsche: o niilismo está consumado. Não existe mais nenhum standard universal, transtemporal e transespecial, que permita aos homens atuar na história terrena conservando ainda um quadro axiológico sub specie aeternitatis. Os homens estão agora entregues ao seu destino - o que significa, no limite, que eles escolhem e produzem os seus próprios valores. A importância de Crise e Utopia: O Dilema de Thomas More, uma obra notável sobre a "crise da modernidade" no coração do Humanismo europeu, está na escolha de Thomas More como o primeiro rosto que Strauss esqueceu. Maquiavel é já um convertido à "política da fé", para usar a expressão racionalista de Michael Oakeshott. Mas Thomas More situa-se antes do dilúvio consumado, embora antecipando e vivendo na ansiedade do turbilhão. E as perguntas - dilacerantes para More - confluem para o mesmo ponto: em que cidade podemos, ou devemos, viver? Na cidade dos homens? Na cidade de Deus? E que relação é possível estabelecer entre ambas? Haverá ainda uma unidade espiritual entre a alma bem ordenada e uma polis que seja a extensão dessa alma? E como atuar neste wretched world?