Realidade ou ilusão? Os fatos serão aquilo que as palavras dizem ou o seu oposto? Onde "a lisa e real verdade", como dizia Guimarães Rosa? Armando um autêntico jogo de enganos e equívocos, Edla Van Steen, em Corações Mordidos, desafia a sagacidade do leitor, propõe desafios, estimula a sua habilidade de raciocínio, arranha a sua sensibilidade com o estilete de uma história inovadora, instigante, "mistura de anticlímax de protesto, ironia e alívio", como a definiu o crítico norte-americano Malcolm Silverman. A história transcorre na Aldeia dos Sinos, um local tranquilo e belo, cheio de árvores nativas e chorões plantados por um personagem, uma espécie de microcosmo da sociedade brasileira, com os seus conflitos e inquietações, que se consome num acelerado processo de desagregação. E aqui voltamos ao início de tudo. Realidade ou ilusão? Os fatos serão aquilo que as palavras dizem ou o seu oposto? Onde a verdade? Difícil de responder, já que Corações Mordidos é um romance que se escreve a si mesmo, uma ficção criada a partir do mundo imaginário de Greta. Greta ou Tina? Criação de um personagem de ficção, esse universo tem também estrutura e leis próprias, se bem que sempre em processo de mudança. Assim, um dos personagens, Sonia, se rebela contra a própria criadora, interessada em "penetrar no universo mais íntimo de outras pessoas, oriundas de estratos aleatórios, que são os daqueles de quem ela deseja comprar os sonhos. A criatura sonhada torna-se mais real do que o sonhador", como observa Fausto Cunha. Jogo de enganos e equívocos, partindo do absurdo para chegar ao enigmático, Corações Mordidos representa um momento de angústia e dilaceramento sem muitos parentes na moderna ficção brasileira. É um desafio proposto ao leitor, que recompensa bem aos que se propõem decifrá-lo. Conseguirão?