Sempre são embaraçosas as travessias pelos caminhos do passado, sobretudo quando lendas, dramas e paixões proliferam nas ações humanas de quem fez História, de quem marcou uma época. A muitos pode parecer fácil emitir juízos sobre os mortos, mas para nós, historiadores, mais dificultoso se torna porque os sentimentos, os louvores e as calúnias presentes em arguições de autores toldam a projeção real dos acontecimentos e da memória. O caso da Restauração de 1640 e dos documentos e das narrativas produzidas que a glorificam ilude-nos na apreciação das pessoas e dos factos que fizeram esse movimento, entre as quais, D. Luísa de Gusmão (1613-1666), que de duquesa de Bragança passou a soberana de um Portugal Restaurado. Se os agentes dos sucessos históricos desta etapa portuguesa foram homens e mulheres, então a aristocrata andaluza, dotada de "entendimento claro e ânimo varonil", teve a tarefa, no âmbito do seu poder informal, de instigar o duque à independência através da célebre frase citada pelo conde da Ericeira, alegando que antes preferia "morrer reinando do que acabar servindo". Independentemente da veracidade do episódio, certo é que, D. Luísa, a rainha da Restauração, demonstrou, no exercício dos seus poderes, como rainha-consorte e rainha-regente, grande parte das qualidades viris que lhe foram sendo atribuídas. Terminou a sua vida isolada e afastada da política, mas será sempre recordada como uma mulher que "soube reinar para vencer e vencer para reinar" e, como tal, uma das consortes portuguesas com maior destaque a nível nacional.