Logo no início de Um Quarto na Holanda, Pierre Bergounioux, escritor e ensaísta francês, louva a concisão do latim para expandir a brevidade do tempo da ação. Neste ensaio fascinante, antes de chegar ao seu objeto principal, o autor procede de maneira ainda mais desafiadora: ele consegue a compressão, em poucas páginas, de mil e quinhentos anos da história europeia enumerando, com graça e leveza, as nuances e diferenças da evolução política entre seus povos (alemães, ingleses, italianos, espanhóis e, claro, franceses) desde a invasão da Gália por César. Quando o leitor chega ao convulsionado século XVII, a era em que a racionalidade burguesa, o ‘despertar do eu’ e o processo de meditar e conhecer começam a mostrar suas ambições, ele já tomou conhecimento, embevecido, desde os rituais exigidos pelos sanguinários deuses celtas até a teoria política de Montesquieu sobre a latitude. Bergounioux não foi professor a vida inteira em vão, pois sua didática erudição jamais é intimidante [...](...) Para onde René Descartes deveria ir depois de ser convencido de ter descoberto um método infalível de busca da verdade, a importância da dúvida em um sistema capaz de harmonizar a coisa e a ideia? A Alemanha, onde ele teve seus famosos sonhos aos vinte e poucos anos, estava imersa em intermináveis guerras; a Itália é muito quente para a sua frágil saúde; a França, leia-se Paris, tem agitada vida social, 'literária' demais. Onde este pensador apaixonado, que seria o responsável (ao lado de Pascal, seu admirador) por, pela primeira vez, ter colocado a filosofia francesa no patamar da alemã, teria paz para transformar sua essência do pensar em um sistema de conhecimento impessoal das coisas? Por que ele escolheu a Holanda? Por que Descartes passaria os últimos 20 anos de sua vida em várias cidades daquele país, produzindo praticamente toda a sua influente obra, sem jamais deixar para o antigo círculo de amigos o endereço para correspondência? Bem, para saber isso, você terá de ler "Um Quarto na Holanda". Serão, certamente, horas de grande deleite, uma prazerosa imersão no viés racional da aventura europeia.