Face à não existência de um estudo sobre Pessoa e Nietzsche - "Nietzsche e Pessoa: eis um tema para um ensaio que está a tardar", desafio lançado, já em 1950, por Jacinto do Prado Coelho -, o autor meteu mãos à obra, com o objectivo de dar conta da presença da tragédia niilista no "drama em gente". A par da "morte de Deus", o "drama em gente" herda do "filósofo-artista" a morte das principais categorias da Modernidade: utopia, racionalismo, historicismo, progresso, perfectibilidade humana, revolução, democracia e humanitarismo. Alberto Caeiro, qual criança liberta da doença civilizacional, despede-se da História e da maleita do pensar e refugia-se num "estado natureza" estético, propiciador dos "poemas-objectos", lembrando a procura nietzschiana da linguagem originária intuitiva. Ricardo Reis, apesar de distante do vitalismo nietzschiano, não deixa de conter o seu amor fati. E alguma vez os gregos deixaram de estar com eles? Álvaro de Campos, porque moderno, é o heterónimo onde a "transmutação" dos valores é mais visível: amoralismo ("Odes"), artecracia, aristocratismo e anti"cristismo" ("Ultimatum"), estética vitalista (Apontamentos para uma estética não-aristotélica). Pessoa ele-próprio, apesar de "novelo embrulhado para o lado de dentro", não deixa, enquanto autor do "Interregno", de defender o irracionalismo histórico. E, perante a hecatombe da Modernidade, que pressentiram, e da metafísica tradicional, a redenção ontológica, passa a ser feita, por ambos, pela metafísica da arte.