A esquerda precisa urgentemente se reinventar. E essa reinvenção passa necessariamente por uma reflexão profunda sobre os impasses da experiência democrática cujos sintomas despontam de maneira mais aguda no presente. É com essa urgência que o renomado sociólogo português Boaventura de Sousa Santos escreveu A difícil democracia: reinventar as esquerdas, obra que tem sua primeira publicação mundial no Brasil, pela Boitempo. O autor vem ao Brasil para o lançamento da obra e será um dos homenageados da III Bienal do Livro e da Leitura, em Brasília, que acontece entre 21 e 30 de outubro de 2016. Boaventura situa sua intervenção em um momento absolutamente crítico, dominado, como nunca, pelo monopólio de uma concepção de democracia de tão baixa intensidade que facilmente se confunde com a antidemocracia, e cuja contrapartida é o que chama de fascismo social. Vivemos em sociedades politicamente democráticas e socialmente fascistas, adverte o autor, até quando o fascismo se mantém como regime social e não passa a fascismo político é uma questão em aberto. Para ele, a experiência social do presente está profundamente marcada pelo desencanto generalizado e pela frustração das expectativas de renovação democrática que haviam irrompido por todo o globo entre 2011 e 2013 em movimentos como o Occupy nos EUA, os indignados no sul da Europa, a Primavera Árabe na Tunísia e no Egito e as manifestações de junho de 2013 no Brasil. A audaciosa resposta de Boaventura lança um olhar crítico sobre toda a experiência democrática e os caminhos da esquerda no século passado. Ao longo de mais de duzentas páginas compostas por ensaios, cartas e entrevistas sobre o mundo contemporâneo, o sociólogo passa a limpo o percurso da democracia ao longo do século XX em uma escrita rápida e de fôlego que articula os pontos-chave dos debates sobre as diversas concepções e facetas do desafio democrático à medida que acumula subsídios para examinar o legado de experiências concretas como a Revolução dos Cravos, a Revolução Cubana, a Venezuela de Hugo Chávez, a Revolução Cidadã de Rafael Correa no Equador, o Podemos na Espanha, o Syriza na Grécia, a situação atual da União Europeia, a Ucrânia e a Rússia, entre outros. Ainda está em aberto se a democracia continuará a ocupar a mesma posição no campo político do século XXI. A democracia participativa perdeu muito de seu impulso contra-hegemônico inicial, em muitas situações foi instrumentalizada, cooptada, deixou-se burocratizar, não se renovou em termos sociais nem em termos geracionais. No pior dos casos, conseguiu ter todos os defeitos da democracia representativa e nenhuma de suas virtudes, afirma o sociólogo. Diante desta conjuntura perigosa, marcada pelo desaparecimento ou descaracterização dos imaginários de emancipação social que as classes populares geraram com suas lutas contra a dominação capitalista, colonialista e patriarcal no século passado, o autor não hesita em afirmar: é preciso ter a coragem de avaliar com exigência crítica os processos e os conhecimentos que nos trouxeram até aqui e de enfrentar com serenidade a possibilidade de termos de começar tudo de novo.