O traço peculiar da leitura que Haquira Osakabe propõe de Fernando Pessoa consiste em buscar compreendê-lo culturalmente, isto é, para além do domínio exclusivo da estética, da história, da moral ou da filosofia. Resultante da combinação dessas quatro divisas críticas, sua percepção cultural de uma das obras mais impactantes da literatura ocidental se articula através da densa interlocução entre um Fernando Pessoa eminentemente reflexivo, a quem identifica como neopagão, e o contexto finissecular, o chamado decadentismo. O resultado é uma leitura capaz de conformar uma imagem autoral íntegra do pensador-Pessoa e ao mesmo tempo destacada da forte tradição psicológica que marca sua fortuna crítica. À luz dos escritos atribuídos a António Mora, um continuador filosófico de Alberto Caeiro, Haquira compreende o fenômeno heteronímico como uma resposta ao declínio da civilização europeia, ao desalento angustiante que se refletiu em obras fundamentais como as de Schopenhauer, Nietzsche, Huysmans, Wilde e Mallarmé. A poesia de Caeiro, nomeadamente O guardador de rebanhos, que se apresenta como uma epifania redentora no conjunto dessa obra, seria, então, uma primeira refutação da inteligência objetiva à doutrina cristã, e o ocultismo uma segunda tentativa de reconstrução de uma sensibilidade aturdida. Esse pano de fundo finissecular, marcado pelo enfastiamento do espírito e pela fadiga moral, confere uma dimensão demiúrgica à obra de Pessoa, por ser motivação para uma poética que buscava conceber uma nova humanidade. Haquira encarou de modo especialmente orgânico os conjuntos poético e teórico pessoanos, como componentes de um grande gesto interventor, de uma missão transformadora. Ciente, entretanto, do caráter fragmentário e, não raramente, contraditório desse imenso corpo de textos, lançou-se ao desafio de acompanhar seu trajeto. Aqui, esse percurso é sobejamente ilustrado com passagens por vezes pouco conhecidas do autor, que se estendem do ceticismo corrosivo à [...]