Encerrado o século XX, marcado pela taylorização e pela fordização na indústria e nos serviços, qual o processo produtivo que caracteriza o mundo atual? O livro da socióloga francesa Danièle Linhart, com o sugestivo título A desmedida do capital, enfrenta esta difícil questão e desconstrói algumas das engrenagens da dominação do capital em seu locus por excelência: o espaço produtivo. Revela os elementos constitutivos da desmedida empresarial que pauta o trabalho nas empresas ditas modernas. A autora realiza um estudo empírico e teórico da lógica produtiva na França (tão distinta, por exemplo, dos experimentos inglês e norte-americano), país onde há uma tradição de resistência dos trabalhadores. A partir de referências como o período do Welfare State, no imediato pós-guerra, e a explosão revolucionária do 1968 parisiense, Linhart oferece elementos para se compreender, hoje, a armadilha da individualização introjetada pelo capital no trabalho, a participação nos limites da lógica empresarial, além de outros mecanismos de envolvimento que são o dia-a-dia das empresas. Bandeiras que estampavam o sentido libertário nas lutas anteriores foram metamorfoseadas pelo capital, que lhes deu significação antípoda: a participação real virou participação superficial; a busca da individuação transfigurou-se em individualização empresarial; a subjetividade autêntica gerou seu simulacro na subjetividade inautêntica. O discurso da prevalência do cliente passou a encobrir a concorrência exacerbada pela mundialização dos capitais e volúpia pelos lucros. O estudo de Linhart representa, então, uma importante contribuição para a desmontagem do ideário e da pragmática da chamada empresa moderna, na qual quanto mais se ampliam as competências e as qualificações mais fortes são os exemplos de penalização do trabalho. Estes são outros traços claros da desmedida do capital e sua (des)razão instrumental.