Em 1963, no primeiro livro-texto sobre a recém-criada Taxonomia Numérica R. R. Sokal e P. H. A. Sneath já discutiam a necessidade de adequar as grades curriculares dos cursos de Biologia de modo a preparar os estudantes para as novas tendências que então se esboçavam. Estas, sem dúvida, exigiriam maior preparo em matemática e estatística. Passados mais de 35 anos, pode-se constatar que, infelizmente, essas sugestões foram praticamente ignoradas, a despeito da intensificação no uso de técnicas estatísticas na análise de dados biológicos e do emprego de modelos matemáticos cada vez mais complexos para explicar os fenômenos em todos os níveis da hierarquia biológica. Os estudantes, de um modo geral, terminam os cursos de graduação (e mesmo os de pós-graduação) sem um preparo mínimo nessa área, nem mesmo para avaliar a gravidade dessa falta de conhecimento.Esse problema também reflete-se na escassez de livros-texto sobre o assunto, gerando um círculo vicioso, principalmente nas áreas de Zoologia, Ecologia e Sistemática. De um modo lento e gradual, essa lacuna vem sendo coberta e, nos últimos cinco anos, alguns livros-texto excelentes sobre técnicas estatísticas e matemáticas aplicadas à ecologia de populações e comunidades, sistemática e evolução, têm sido publicados por autores brasileiros. Este livro de Leandro Rabello Monteiro e Sérgio Furtado dos Reis coloca-se de modo muito preciso ao preencher mais uma dessas lacunas, sendo o primeiro livro-texto em português sobre morfometria. Mais que isso, esse livro explora, principalmente, um conjunto de técnicas desenvolvidas muito recentemente nessa área. Os autores desse livro são pesquisadores com grande produção científica, reconhecidos nacional e internacionalmente. Assim, o livro não é uma simples compilação, mas reflete de fato a própria experiência dos autores em pesquisa e ensino de morfometria multidimensional e geométrica. As vantagens dessas novas técnicas ficarão evidentes com a leitura e o desenvolvimento recente dessa área aparentemente encerra as longas discussões ocorridas na década de 80 sobre as diferentes maneiras de medir variações no tamanho e na forma dos organismos. No nosso tempo, a facilidade de utilização de computadores e pacotes estatísticos para a análise de dados funciona como uma caixa de Pandora: apesar de facilitar imensamente a vida de todos os biólogos, permite também a difusão de erros e interpretações impróprias de diversos tipos, já que os pesquisadores passam a utilizar técnicas analíticas complexas sem conhecer de fato seus pressupostos e características. Isso é especialmente verdadeiro para as técnicas sofisticadas de análise multidimensional ou de morfometria geométrica. As bases matemáticas e estatísticas das técnicas apresentadas neste livro estão longe de serem triviais. No entanto, o texto claro e conciso, recheado com exemplos trabalhados detalhadamente, permite que se tenha uma compreensão ampla dessas técnicas. Dessa forma, esse livro representa um boa tentativa de reduzir (ou mesmo eliminar) esse "efeito-Pandora".Assim, a "nova morformetria" de F. L. Bookstein e F. J. Rohlf agora passa a estar muito mais acessível aos estudantes e pesquisadores do Brasil. Considerando o enorme poder estatístico dessas técnicas e seu amplo potencial de aplicação, garante-se que esse livro será de imensa utilidade para todos aqueles que, de algum modo, se interessam pela variação de tamanho e forma entre os organismos. Essas variações, de fato, podem ser consideradas como a essência da biologia organísmica, já que estão associadas aos padrões de evolução fenotípica em grandes escalas de tempo e espaço, às bases genéticas da variação inter e intrapopulacional e às associações com fatores bióticos e abióticos das comunidades. Seria difícil encontrar, para um biólogo, mais inspiração em qualquer outro assunto do que nesse "modo grandioso de ver a vida...".