«(...) Que é que impede a estabilização da verdade? Acima de tudo, o prazer de falar. Esse prazer pode ser uma verdadeira paixão. E tem uma característica não olha a obstáculos: Não há gente que mais goste de falar que os gagos, não há gente que mais goste de andar que os coxos.Falar, conversar. Porque a conversa tem uma característica absolutamente extraordinária: ao mesmo tempo que reúne tudo, dispersa tudo. A conversa dispara em todas as direções, a gente atravessa-a com o fio de uma idéia, mas a idéia vai-se disseminando no decurso da travessia. E a dada altura, como se explica logo nas primeiras linhas deste livro, ninguém sabe para onde vai nem donde vem, nem em que ponto é que está. (...) Trata-se de amar as palavras naquilo que elas têm de desajustamento em relação à realidade, e de compreender que essa realidade se transforma à medida que nós usamos as palavras em configurações diferentes. Trata-se de perceber que as palavras não servem apenas para referenciar a realidade, mas também, e sobretudo, para gerir distâncias (é essa a verdadeira definição da retórica) e para aproximar ou afastar as pessoas. Trata-se ainda de não pretender privilegiar apenas o que é útil, mas de ver até que ponto o inútil é tão útil como o útil (ou, se preferirem, o útil é tão inútil como o inútil). E é tudo isto que nos prende apaixonadamente à longa digressão que é este livro. Sentido de perder tempo, evidentemente. Mas sentido também de ir ao encontro do prazer do tempo perdido. (...) Em Jacques, o Fatalista, Diderot fala, conversa, dança com as palavras, traça figuras de uma coreografia arrebatadora. Diderot não nos deixa repousar um minuto: as personagens saltam, desaparecem, morrem, amam, enganam-se, agridem, ressuscitam, e tudo se processa numa agilidade e desenvoltura absolutamente surpreendentes. (...) O essencial não está, portanto, na estabilização, mas num valor precisamente oposto: na velocidade com que o jogo continua a ser jogado.»