"A feminilidade foi negativada na tradição psicanalítica na sua singularidade. (...) É esta problemática que está aqui em questão, nesta reflexão ousada empreendida por Márcia Aran, que se propõe a construir uma metapsicologia da alteridade no registro da imanência, rompendo então com o verticalismo e a hierarquia estabelecida entre os gêneros na tradição ocidental. Para isso, contudo, é preciso considerar estes enunciados como idéias petrificadas, para restaurar a mobilidade da diferença sexual no registro do discurso. É necessário retomá-los então como vestígios (Benjamin), para que possam ser retirados do limbo, e evidenciar assim os obstáculos que conduziram historicamente a esta cristalização mortificante. Desta maneira, a feminilidade como positividade efetiva poderia ser deslocada do antigo topo onde foi atada na transcendência do olhar masculino. Nesta perspectiva, o conceito de formas de subjetivação (Foucault) permite destacar o que existe de singular no feminino, retirando-o do binarismo sexual em que foi congelada. Ao lado disso, as críticas do falocentrismo (Derrida) e da territorialização das identidades (Deleuze), conjugadas com a genealogia (Fraisse) possibilitam destacar os processos de subjetivação em pauta. Em decorrência disso, outras leituras sobre política e sexualidade na atualidade se tornam enfim possíveis: as novas tecnologias reprodutivas, o reconhecimento social e jurídico do casamento homossexual, da homoparentalidade, da transsexualidade e dos transgêneros. Seria por este viés, portanto, que o avesso do avesso poderia ser explicitado e promovido, fazendo florescer os jardins pelo desdobramento dos vestígios petrificados". Joel Birman (Psicanalista, Professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro).