A especulação não permite algo além da conjectura. A realidade é esse resultado de encontros da história social com a singularidade do indivíduo num lento elaborar dos fatos, algo feito de cálculo, algo feito da irreflexão e um pouco mais do imponderável ou acaso. E é dentro de seus limites e de suas possibilidades que se podem pensar formas e modelos pragmáticos e paradigmáticos de mudança. Se a vida é em si uma dádiva, a realidade constrange. Essa realidade dos desencontros e das assimetrias, conformados pela retórica da igualdade. Essa realidade que interpela, às vezes, silenciosamente, às vezes, em berros, a ser compreendida e, aos bravos, a ser transformada. Clarice Paiva Morais, que eu tive a honra de orientar em seu Doutoramento, tenta violar o cerco da realidade como um dado do mero existir e logo se interpela a como principiar bem, pois a história das mulheres no Brasil e no mundo tem sido construída por homens, e portanto, sob suspeição . Mas ela teme que a confusão entre gênero e sexo leve também à suspeição de mulheres que vocalizam a cultura do homem como ser homogêneo e universal. Ela deseja tirar-se e às mulheres da invisibilidade. Em si, como pesquisadora da matéria na qual ela está imersa. E às mulheres, como sujeitos históricos. Gênero, ela escreve, após incursionar por uma rica literatura psicanalítica, filosófica, histórica e política, não pode ser, de largada, um apêndice do sexo biológico, mas uma categoria social. José Adércio Leite Sampaio.