Publicado em 1937, 'O Amanuense Belmiro' vem despertando enorme interesse da crítica e dos leitores, o que atestam suas inúmeras reedições e a extensa bibliografia a respeito do livro, produzida pelos principais críticos literários do Brasil desde sua publicação até hoje. São muitas as razões para esse sucesso, ainda que não se traduzam numa simples receita. Uma delas, bem importante, é a alta qualidade da própria prosa, clara, clássica, apolínea, exata no senso de oportunidade para o diálogo intertextual com a alta literatura e para o emprego das palavras, com períodos bem encadeados e dosados, coisas não muito comuns entre nós. Esta prosa, também, se trama para o leitor na sua frente, dando ao objeto que se deixa conhecer - as anotações e as histórias que contam - uma mobilidade curiosa e bem interessante em termos de metalinguagem. Afinal, o narrador se propõe, no início, a contar as suas memórias, um livro sentimental, não um romance, mas lentamente o presente desliza para o primeiro plano e as memórias iniciais se transformam num 'esboço de livro' para, então, ele se tornar um 'diário', que cobre pouco mais de um ano - 1935 - da vida de um amanuense, Belmiro. Desse modo, a natureza romancesca é duplamente ocultada nesse jogo de transformação de memórias em diário, tentando posicionar o leitor no lugar pretendido - no mais íntimo da vida do narrador, que é o próprio livro. Incapacitado de viver e de se entregar ao outro, o amanuense só adquire substância transformando-se em linguagem, só aí ele consegue inventar uma forma de fuga que o mantém vivo.