"Atrás do osso" mostra que Thelma Guedes não receia ser vista como insólita, estranha e paradoxal, nesta antilírica na qual o poeta pode ser um cão e a palavra é comparada a um osso. Conforme ela mesma declara, seu projeto é fazer poesia/ que escapa do rumo: escreve para desarranjar a palavra e descobrir novos modos de utilizá-la, assim rompendo com o prosaico, o previsível e o já sabido por todos. Daí resulta uma poesia colada ao real, às experiências do dia-a-dia; mas que também contém uma metalinguagem, uma reflexão personalíssima sobre a poesia e uma representação do poeta. Através dessa descoberta, por mais que Thelma Guedes insista, ironicamente, que eu não farei a poesia/ nem inventarei a vida, acontece a transformação do mundo, no qual poderá florescer a fresca erva pecadora, que salva-me, pecadora. É interessante como, ao mesmo tempo, a poeta recupera uma dicção de cantigas ditas para crianças, e como parece evocar a própria infância: aos dez anos descobri a verdade nua crespa. Se, em uma dada altura do livro, o poeta é um cão, também é uma criança, por isso capaz de brincar, de tratar a palavra de modo lúdico, libertando-a de seus usos instrumentais, recuperando-a como canto/ divina insolência: como linguagem primordial.