Em um país de muitas fomes, Valéria Machado optou por estudar, em três narrativas de épocas diversas, as configurações de algumas de suas manifestações literárias. Mais do que sobre a fome, discorre sobre quem a sente, o homem situado no tempo e no espaço em suas relações com o outro. E é nesse contexto que se articulam as relações de poder que, na maioria das vezes, determinam a fome. Por isso mesmo, à autora deste livro, interessa verificar como fome e processo de subjetivação se articulam. O que tem a fome a ver com a (des)subjetivação? Para responder a essa e outros perguntas, Valéria estudou o jogo enunciativo dos três romances, detendo-se nas figuras dos autores e leitores da época da publicação, na composição narrativa com os papeis dos narradores, personagens no processo de espacialização e temporalização. Assim, traçou-se a trajetória dos migrantes da seca, no livro A fome, de Rodolfo Teófilo, marcado pela mistura do discurso científico e ficcional, pelos tons realistas/naturalistas ao lado de dramas românticos. Ressaltou-se o corpo dessubjetivado pela abjeção do corpo físico dos migrantes e pelo corpo social decomposto que simbolizaria a própria nação. O caminho de Fabiano, em Vidas secas, de Graciliano Ramos, é apresentado com suas muitas ramificações, já que, mais que o ciclo da seca, interessa à autora, ressaltar, no ciclo da vida, as volutas do desejo desenhadas por Graciliano. Do romance Homens e caranguejos, de Josué de Castro, Valéria Machado, apontando para sua diversidade de perspectiva geográfica, sociológica, antropológica e literária, ressalta a força do sonho como elemento de resistência no ato de contar histórias. Aliás, o que se depreende da análise dos romances efetuada por Valéria é a insinuação da fome sorrateira a permear as narrativas, metamorfoseando-se e metamorfoseando-as, o que, se por um lado, evidencia sua permanência, por outro aponta também para as formas de resistência.