Poemas como 'Esmeraldina', 'Após o banho, nua' e 'Fábula' dão a plena medida do poeta nesse terreno tão complicado e traiçoeiro. Peças como 'Sangue natural', 'Demônio da poesia', 'Quarenta anos', e muitas outras, renovam o gosto do poeta pela análise psicológica da natureza humana, já agora expressa com maior desenvoltura e firmeza de expressão. Tanto em Sol nenhum (1998) como em Sentimento da morte (2003) o que se tem é, principalmente, a cristalização definitiva da poesia de Fernando Py. Já conhecido e respeitado entre seus pares, o poeta exercita-se em formas fixas, sobretudo sonetos e sextinas, de onde extrai assonâncias inusitadas (como em 'Tango' ou 'A constante captura'). O tema da morte já alcança maior relevo na última das coletâneas, com um poema de alto valor ('Sentimento da morte'), associado a outros que ora indagam sobre o amor, a velhice e o que nos espera após a morte ('Perdas', Indagações'), ora se reportam a amigos e conhecidos mortos ('Ribeiro Couto', 'Lembrança de Giles'), etc. Mas a presente antologia finda com excertos do longo poema 'Antiuniverso', aventura de palavras em que o poeta, tendo como pretexto aspectos da astronomia e da física nuclear, discute principalmente o problema do tempo e seu decorrer na vida humana. Trata-se de um poema único na obra do poeta, de quase mil versos (ou linhas), que tanto pode significar sua contínua preocupação e adensamento com a prospecção psicológica, quanto o registro máximo de suas virtualidades como poeta e pessoa humana. Vale a pena ler e reler a poesia de Fernando Py. A poesia de Fernando Py vem apresentando uma notável coerência. Embora tenha passado por uma natural evolução, sobretudo na técnica, o poeta já se mostra consciente de seu labor poético no volume de estréia (Aurora de vidro, 1962). Nesse livro surgem algumas das características que serão desenvolvidas nas coletâneas futuras: o gosto pela introspecção, a análise psicológica dos sentimentos, etc. Poemas como 'Aurora de vidro', 'Transformações' ou 'Ulisses' indicam que essa estréia não era simples reunião de versos avulsos escritos por desfastio. O poeta, ainda inseguro quanto à expressão poética, já era capaz de elaborar uma poesia cujo aprimoramento seria apenas questão de tempo. De fato, a segunda coletânea (A construção e a crise, 1969) representou grande avanço sobre o livro anterior, tanto em qualidade intrínseca da poesia, quanto na ampliação dos interesses e preocupações do poeta diante do universo que nos rodeia. Não somente aprofundou e desenvolveu as características acima apontadas, em poemas como 'Crise', 'Copacabana' e 'O outro', como também passou a debruçar-se, com acerto, sobre temas que ainda não abordara: a solidariedade político-ideológica ('Presença de Rui Facó'), os mistérios da natureza humana ('Três sonetos obscuros'), as interações cósmicas ('Notícia') e principalmente o amor ('Noturno') e a morte ('Morte íntima'). Todos esses temas, desenvolvidos e diversificados, voltarão daí em diante em sua poesia. Vozes do corpo, de 1981, representa o amadurecimento definitivo do poeta, que atinge uma expressão própria, inconfundível, sobretudo na análise psicológica de sentimentos e emoções ('Duplo', 'Psicobiografia') e no repúdio à ditadura militar e às condições deprimentes da política em geral ('Incêndio clandestino', 'Duro canto'). Por outro lado, toma corpo a sua poesia erótica, já esboçada no livro anterior.