Ao receber a honrosa missão de escrever o prefácio do livro O anjo encarnado, de Solange Lages Chalita, texto adensado por um aparato mítico-poético que dialoga com a imagem arquetípica angelina, senti impacto e deslumbramento. Li de uma só vez e, a cada página, algo me inquietava: - Anjo encarnado! Queres também vasculhar meu mundo submerso? Não bastou irromperes na memória intuitiva, sensível de Solange? Não permiti que me respondesse e li o livro de trás pra frente, abrindo páginas esparsas, procurando cada vez mais me distanciar(ou aproximar?) do universo lírico da autora. A construção deste livro é um processo ímpar. Solange estava em fase de escrita da sua tese de doutorado, cujo corpus era o romance O anjo, de Jorge de Lima, tarefa que requer o exercício da racionalidade, do rigor acadêmico, da precisão teórica e da objetividade. Mas, imperiosamente, a poeta que existe em Solange não se contentou em apenas construir um discurso de natureza/obrigação acadêmica,que escapava à sua sensibilidade artística. Inicia-se, então, um duelo entre a ensaísta e a poeta e o resultado é um outro texto. Assim, a obra que agora lemos é um grande diálogo com o anjo criado por Jorge de Lima; a construção poética de O anjo encarnado é um discurso intertextual com a obra do grande poeta alagoano, palimpsesto arquetípico que a escritora vai desnudando passo a passo com o cinzel da palavra, à medida em que novas representações do anjo vão sendo reveladas em discurso lírico,pois "para que não te percas/ no extravio/ da memória/ escrevo-te/ meu anjo". Edilma Acioli Bomfim