Num dos cantos do quarto de Ester no segundo andar, há um espelho quebrado e o genuflexório calejando perpetuamente seus joelhos. Os sussurros rápidos e repetitivos sustentam a prece que os dedos traduzem em orações táteis pelas contas do extenso rosário. Ela flutua no louvor mas atenta ao respirar da moradia inteira. Os ouvidos são hábeis em detectar os gemidos arfantes do aposento vizinho, onde um corpo em transição se revira sob o grosso cobertor. Há um movimento cadenciado, uma lamúria quente. Ele se protege todo sob a manta, esconde-se da casa. É necessário um outro mundo, o calor e a falta de ar para a intensificação do êxtase que se aproxima. Já no último pavimento, um miado lascivo se repete à medida que as unhas grandes de um ancião se insinuam na pelagem do animal. Ele murmura consigo mesmo lembranças desconexas, a cabeça tremulante. O gato ronrona, o velho rosna. Num tempo ainda à luz dos lampiões e à sombra da religiosidade, uma família diminuta vive isolada em uma (...)