A dádiva maior - A vida e a morte corajosas da irmã Dorothy Stang, da norte-americana Binka Le Breton, em tradução de Renato Rezende, com seus mapas, prefácio, introdução, dezoito capítulos em ordem cronológica e epílogo cumpre bem o que diz seu subtítulo. E por um bom motivo: a irmã Dorothy Stang é o caso clássico da pessoa muito conhecida que não é nada conhecida. É muito conhecida, pois uma circunstância de sua vida, seu assassinato no Pará, colocou-a no centro dos noticiários nacional e internacional. Sabemos, então, que se trata de uma missionária norte-americana, de uma senhora de cabelos brancos e óculos que, numa estrada de terra na Amazônia, foi brutalmente fuzilada (quando então também soubemos que essa foi uma morte anunciada). Sabemos ainda o que fazia ali: defendia os oprimidos dos opressores, e, paralelamente, a sobrevivência da floresta. Mas tudo isso, na verdade, é uma imagem bidimensional e um epílogo. Uma pessoa não se resume ao que faz nem ao modo como morre. Por mais que o que faça e que esse modo sejam incomuns e mesmo heróicos. Na verdade, ao ser incomum e heróica, sua vida torna-se ainda menos compreensível. Pois ninguém nasce nem incomum nem herói. Há a história de uma vida, de uma pessoa real, por trás de tudo isso. Vida e indivíduo que desconhecemos até ler este livro. Uma primeira informação, já no prefácio, inverte uma expectativa tácita quanto à pessoa: "Dorothy encontrava grande alegria nesta autodoação. Este desejo passional não estava fundamentado em um complexo de mártir. Ela amava as pessoas com quem trabalhava - as crianças nas salas de aula em Chicago ou Phoenix, as famílias de imigrantes mexicanos, os colonos camponeses brasileiros. Havia riso e divertimento onde quer que ela estivesse." Desejo, riso, divertimento: se isto não diminui seu sacrifício, aumenta sua dimensão humana. Outra coisa aqui se manifesta: a visão externa do conflito brasileiro, impressa na expressão, para nós inusual, "colonos camponeses brasileiros". Assim, ao lado da vida de Stang, uma americana de Ohio, também (re)descobrimos a questão da Amazônia sob outra ótica. Se há algo marcante na origem de Dorothy Stang é a circunstância em que nasceu e viveu a infância, num país em crise, afetado pelo desemprego e pela tensão social (e à sombra da guerra): os Estados Unidos, mergulhados na Grande Depressão. Ter terminado num país assim, o Brasil de 2005, mais uma vez fala muito da pessoa mas também do Brasil, de seu eterno atraso, da capacidade de perpetuar problemas em vez de solucioná-los. Como, aliás, fizeram os EUA nesse meio tempo. Dorothy Stang, então, acreditava na solução de grandes problemas. E foi assim, num crescendo, que passou das crianças para os imigrantes mexicanos e destes para os "colonos camponeses brasileiros". Por tudo isso, o livro está bem resumido noutra frase do prefácio: "Dorothy Stang, uma pequena senhora de Ohio, tem uma grande mensagem para o nosso mundo." A pequena senhora e sua grande mensagem estão inteiras neste livro. Em que também aparece inteiro, em primeiro plano, desde o primeiro capítulo (pois o livro abre em flash back), o dia-a-dia real na Amazônia, que assim como a pessoa de Dorothy Stang - e seu medo de morrer - ainda desconhecemos.