A conversa com o taxista, numa das intermináveis horas de espera no trânsito de São Paulo, pode gerar uma reflexão sobre as características do capitalismo, os modelos de desenvolvimento brasileiro e algumas opções que direita e esquerda fizeram ao longo do último século. Isto, é claro, se o interlocutor for Carlos Alberto Sardenberg. O jornalista e comentarista econômico acaba de lançar Neoliberal, não. Liberal. que chega às livrarias pela Editora Globo. O livro trata de uma série de temas, que vão das privatizações à reforma previdenciária, da crise do sistema de bem-estar social europeu à barraca de passes de ônibus e suco de laranja de um camelô esperto. Todos esses assuntos ganham ainda mais relevância num momento de crise internacional em que os principais conceitos da economia internacional estão sendo revistos e o mundo percebe com mais clareza os efeitos da globalização. O próprio título já apresenta um desafio intelectual e uma pequena provocação. Ao assumir o termo neoliberal, usado por ideologias estatizantes quase como palavrão, Sardenberg chama a atenção para as atualizações que foram feitas numa teoria já bicentenária e que hoje ajudam a compreender um mundo em mudança. A variedade de temas e de situações - sempre observados com a curiosidade e a precisão do bom jornalismo - provoca o efeito de formar um painel no qual as questões mais importantes da economia e da política contemporânea dialogam e se completam. A linguagem acessível - que os leitores reconhecem das colunas semanais dos jornais e nos comentários de rádio e televisão - aproxima o público não especializado de assuntos que afetam o cotidiano de todos, mas que muitas vezes são tratados como se fossem privilégio de entendimento de sábios fluentes em "economês". Preciso nos dados, atento aos detalhes, mas sem perder de vista um panorama mais amplo do ambiente econômico global, Sardenberg mostra como decisões ideológicas muitas vezes bem intencionadas podem provocar o efeito de distorcer regras do mercado e atrapalhar o desenvolvimento de forças produtivas, que em última instância seriam benéficas para toda a sociedade. E o Brasil é pródigo em oferecer casos desse tipo. A cada intervenção e regulamentação em nome do "bem comum", acabamos perdendo pouco a pouco o potencial de soluções que a iniciativa individual acrescenta. Sardenberg mostra com clareza isso e muito mais: mostra como decisões tomadas em cada canto do planeta funcionam de maneira entrelaçada nesse novo século em que as idéias estão conectadas em rede.