Numa folha de papel almaço, feita com lápis, A Cana, jornalzinho feito no Presídio Paraíso, em São Paulo, ousou fazer circular entre os detentos sua primeira e última edição, de um exemplar, reivindicando melhor tratamento (na verdade não deu tempo nem para isso). O jornalzinho foi apreendido pelos agentes penitenciários sob a alegação de que, sendo escrito e editado por notório anarquista acabaria por abalar os muros da prisão e os alicerces do sistema prisional brasileiro. Logrou minha atenção o jornalzinho, seu espírito, seu objetivo e a contra-partida da autoridade, ridícula em sua força, sempre chamada a atentar contra a liberdade de imprensa. Porque, nesse jornalzinho escrito à mão e no episódio constrangedor, afloram para o estudo não só os meios e as mensagens dos que lutam por aquilo que acreditam ser melhor para o seu irmão como, também, os meios e as mensagens (melhor diria, a truculência e as diatribes) dos que sempre se oporão à dignidade e à justiça - seja qual for a cor ou a utopia que adotem. Na batalha contra A Cana que o leitor está cansado de saber que se trata do jargão para prisão está em miniatura, como num arquétipo, a maioria das linhas de pensamento e ação que engendram os atos desafiadores dos que lutam e o tacão esmagador dos que destroem. Esse livro, A IMPRENSA CONFISCADA PELO DEOPS , se abre para o leitor com a força dos ensaios precisos e cultos ao abordar a complexidade das questões sócio-politicas, históricas, num tempo que marca e ao mesmo tempo é marcado pela oposição sistemática, ferrenha, do culto à autoridade, à prepotência, e o direito universal à livre manifestação do pensamento. O foco na iconografia, além de ser garantia de fidelidade aos fatos recupera, por assim dizer, uma linguagem que, hoje mais que nunca, é totalizante. Vivemos o ciclo impiedoso e banalizante do valor da imagem banal, mas vital para o nosso tempo e nossas globalizações. A obra, dessa forma, mas não só por isso, ganha uma contemporaneidade inegável. A experiência do século mostrou, de maneira tristemente vigorosa, que se deve sempre defender a liberdade de expressão, pois a democracia não é garantia suficiente de que o homem poderá assumir o comando do seu destino. Se, nas ditaduras, isso se faz rangendo os dentes da indignação na boca, embora fechada, ou sumindo de circulação para fazer circular a resistência, na democracia é urgente que se hasteie todo dia essa bandeira já que, mesmo nos regimes mais abertos, liberais, democráticos, paira sempre, sobre a dignidade do caráter e da manifestação do pensamento, a ameaça de grupelhos, de marginais da realidade política e social. Depois daquela abertura literária sobre o conhecimento da matéria, vem o show iconográfico com cada página mostrando a reprodução perfeita da imagem recolhida, especialmente, edições condenadas pela prepotência. E, então, o leitor mergulha num mundo de fábula, maravilhoso em sua plasticidade evocativa e sincero como um soco no estômago. Não se pode ser um cidadão completo sem conhecer o que se passou com a livre manifestação do pensamento entre 1924 e 1954.A livre circulação de idéias figura entre as mais importantes questões do nascimento, desenvolvimento e engrandecimento de qualquer nação. Por isso, o controle e a censura impostos às correntes de pensamento também são temas igualmente relevantes. Este livro toca nessa questão. Reunindo jornais de militância política confiscados entre 1924 e 1954 pelo extinto DEOPS/SP - Departamento Estadual de Ordem Política e Social, demonstra que os diferentes governos do período vigiaram e coibiram intensamente a livre circulação de idéias no país. A obra revela a articulação de diversos segmentos da sociedade em defesa de questões de seu interesse. Simultaneamente, mostra como as autoridades brasileiras agiam para firmar-se no poder e construir sua própria versão da história.