Há três horas que ali estão sentados face a face. Entre ambos, o tabuleiro de xadrez já desfalcado de várias peças. Da lâmpada pendente sobre suas cabeças desce um cone de luz quase branca. Calados, lívidos, tensos, pensam muito antes de arriscar uma jogada. E vigiam, de soslaio, os ponteiros dos respectivos cronômetros. Não fosse o leve tique-taque dos mecanismos, o silêncio aqui seria completo. A espaços, também se ouve o ranger de lápis contra os bloquinhos de anotações. Ou os bocejos nervosos do que comanda as peças pretas -bocejos logo abafados pelo duro olhar de censura do jogador adversário. Este, mais moço e parrudo, tem os gestos lentos, medidos. Mas -percebo- também está inquieto: com a ponta escura da língua, alisa sem parar o canto esquerdo da boca. E, por trás das lentes grossas dos óculos, suas pupilas não perdem nenhum movimento do opositor. O jogo caminha empatado, até agora. Nas bordas do tabuleiro enfi leiram-se bispos, cavalos, peões. Belos trabalhos de marfi m, esculpidos por mão de mestre E são valiosos, posso garantir: eu os trouxe da Espanha faz alguns anos. Diante de tamanha insistência, não tive como lhes recusar o empréstimo. Afi nal, aos nossos amigos jamais se negam favores. (Trecho do conto Duelo)