Do ponto de vista da história do direito, estudar o direito de greve exige que se transcenda o direito legislado e o próprio direito judiciário e entre em domínios a que a historiografia jurídica tradicional recusava a própria classificação como direito. Gustavo Siqueira destaca sobretudo dois: o da prática quotidiana do poder oficial, expressa em atitudes administrativas e de polícia, e o da consciência jurídica das pessoas comuns, expressa em textos ou em atos e embebida na vida quotidiana. Este alargamento do campo da história do direito a um mundo infra-jurídico e de infra-justiça tem consequência cognitivas, pois modifica o objeto de estudo e, também, as metodologias próprias para o abordar. Mas tem também um forte impacto sobre as atitudes perante o direito. Revelando a pluridimensionalidade da experiência jurídica, promove uma crítica da sacralização do direito oficial. No primeiro caso, a questão interessa sobretudo aos historiadores. Mas no segundo, ela interpela também os juristas. O esforço teórico de Gustavo Siqueira é proporcional à dificuldades do segundo aspeto desta dupla empresa. Se para os historiadores já é habitual tentar uma história global dos factos estudados, já para o jurista não é tão corrente este alargamento do conceito de direito. Não é que não haja bons apoios para uma perspetiva compreensiva do que seja direito, como nesta obra fica demonstrado, com recurso a uma panóplia vasta de autores e de correntes. Mas a assunção de que o direito pode ser gerado fora e independentemente das instituições oficiais gera um incómodo na teoria jurídica espontânea dos juristas, decerto porque os obriga a uma reflexão sobre o modo como o direito lhes exige opções pessoais, estilhaçando a pretensa neutralidade e descompromisso da criação de direito pelos juristas.António Manuel Hespanha