Este livro coloca o leitor em uma espécie de ontologia sísmica, em uma transcendência sem transcendental, em uma escrita que é movimento de territorialização (marca-se um espaço) e desterritorialização (errância, força de pensamento órfão), permeada por uma expressão que é pura melodia, ritornelo, linha de fuga da criança para espantar seus temores. Pois ler um texto é também um saber que extrapola a cognição carcerária, a ontologia-prisão, modo de conhecimento que tudo conhece de antemão. Ler é uma prova que permite ao leitor advir em instância de desejo pela vontade do desafio. O experimento nunca é fechado pela comunicação hierárquica ou significante, nem por aquilo que o discurso recorta e encena. A escrita é o traço ou dobras que o agente dessa aventura deixa. Contradizendo o caráter efêmero e imediato da experiência, a escrita tende para a troca e duração em um tempo não linear. Ela busca um convívio, eis por que os personagens aqui presentes são conceitos, engendramento de uma invenção. Nesse sentido, o ato de escrever, como tradução da experiência em palavra, se inscreve em uma ordem radical do gozo, isto é, em uma potência de sobrevivência para além da morte: só os organismos morrem. Ao tentar dizer o indizível, o imperceptível do amor à vida, entra-se em um devir-ritornelo em que a escrita é estilo, charme cantador que exorciza as escarificações mediante um fluxo energético, fragmentos de vida.