"O presente livro segue uma linha doutrinária diferente daquela que caracteriza a grande maioria das publicações brasileiras sobre o tema, que se concentram na defesa da posição das pessoas investigadas e acusadas em processos penais e administrativos. Contrário a essa linha liberal-individualista, Karla Padilha assume uma posição decididamente republicana, enfatizando o interesse público no combate à corrupção e ao desvio do dinheiro de todos nós. Com o advento da globalização econômica, tornou-se cada vez mais fácil a movimentação financeira em nível internacional. Hoje, é possível que o titular de uma conta bancária transfira, em pouco segundos, valores imensos para qualquer parte do mundo, o que facilitou sobremaneira a prática da lavagem de dinheiro, isto é, a legalização formal de recursos oriundos de negócios ilegais perante os órgãos de controle estatais. A corrupção, fenômeno endêmico que impregna toda a estrutura estatal brasileira, pode ser explicada, mas nunca justificada pela herança cultural do País. É um câncer que impede o seu desenvolvimento social e faz com que milhões de pessoas continuem vivendo em condições sub-humanas, não freqüentem escolas boas, não comam uma merenda escolar nutriente, não sejam atendidos adequadamente nos postos de saúde e nos hospitais do SUS, não estudem em escolas públicas bem equipadas e com professores qualificados. O onipresente assalto aos cofres públicos por parte de políticos, administradores e empresários prejudica gravemente a moral pública, gerando na população o permanente sentimento de impunidade e ridicularizando aqueles que ainda acreditam no trabalho honesto como único caminho viável para ganhar a vida. A partir de uma análise sociológica, a autora revela os interessés econômicos e ideológicos daqueles grupos que declaram o sigilo bancário como autêntico direito fundamental e exigem a sua prevalência quase absoluta, apesar dos evidentes problemas que tal atitude causa na atualidade. O Brasil se encontra num momento crucial: as forças de investigação e inteligência policial finalmente mostram um desempenho mais efetivo contra as organizações criminosas. Todavia, observa-se que a legislação, a doutrina penalista e a jurisprudência ainda hesitam em tomar posição mais clara em favor do bem comum, reduzindo a um nível razoável a proteção dos acusados de crimes de alta nocividade social. Em vez disso, ganham força as teorias jurídicas e decisões dos tribunais que restringem os atos de investigação das Polícias e do Ministério Público, sob o argumento da necessidade de evitar a formação de um Estado de Polícia em terra brasilis.Entretanto, parece ser menos o Estado brasileiro que assusta e reprime os cidadãos do que o poder onipresente das estruturas do crime organizado, as quais estão presentes em várias prefeituras, câmaras e assembléias legislativas do País, além de contar com a colaboração de inúmeros representantes das profissões jurídicas. Perante esse quadro, o (antigo) discurso inflamado contra o Estado "repressor" está mais do que esgotado. É claro que a realidade das afrontas diárias aos direitos humanos de inúmeros acusados pertencentes às camadas sociais mais baixas não justifica a diminuição dos direitos daqueles que são acusados de crimes de colarinho branco, como corrupção, desvio de dinheiro público e sonegação fiscal, que normalmente são cometidos por representantes das classes elevadas. No entanto, o sigilo bancário deve ser compreendido e interpretado no contexto da realidade socioeconômica do Brasil, onde houve, nas últimas décadas, um alastramento vergonhoso da criminalidade nos círculos políticos e econômicos, que clama por um sopesamento desse princípio protetivo do indivíduo com outros interesses da sociedade, como acontece, inclusive, na maioria dos países da Europa e da América do Norte. O livro mostra que uma maior restrição do sigilo bancário no Brasil não viola, necessariamente, direitos fundamentais, mas pode ser efetuado através de uma atividade interpretativa que esteja à altura dos dispositivos da Constituição federal. Acertadamente, a autora identifica uma ruptura da vinculação entre o sigilo bancário e os direitos fundamentais à intimidade e privacidade, os quais devem ceder ante a demonstração de um interesse público relevante, como é o caso quando a situação concreta exige a revelação de dados bancários de pessoa física ou jurídica para viabilizar a apuração de condutas ilícitas contra o erário. Destarte, o princípio da transparência fiscal e o valor fundamental da segurança pública levam a uma relativização do sigilo bancário, especialmente nos casos que envolvem agentes e recursos públicos. É de lembrar também que a corrupção e o desvio de dinheiro público, além de corroer as bases da democracia, estão intimamente ligados às outras ações típicas do crime organizado, como o assassinato, o tráfico de drogas, roubo, estelionato, etc. Karla Padilha estabelece com sua obra um saudável contraponto em relação à literatura nacional "padrão" sobre o assunto. O ponto mais inquietante do livro é a sua lição de que o discurso da defesa dos direitos fundamentais pode, em determinadas áreas e circunstâncias, se tornar um mero instrumento retórico para a defesa dos interesses espúrios de grupos política e economicamente poderosos que instrumentalizam e pervertem, de forma engenhosa, as teorias clássicas do constitucionalismo ocidental, para garantir o status quo dos seus privilégios processuais e, assim, perpetuar o absurdo estado de impunidade que assombra o País