Quando o slide do seu pé foi apresentado num congresso de ortopedia, alguns especialistas chegaram a afirmar que era impossível andar direito. Entretanto, a dona do pé problemático foi a primeira mulher brasileira a conquistar uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos. Esta guerreira é Jacqueline Silva, que com Sandra formou a dupla de ouro do vôlei de praia e reluziu nas areias de Atlanta. 27 de julho de 1996 foi o dia mais importante da minha vida. Nada podia sair errado. Vinha me preparando durante os últimos dez anos. Desde o início de minha parceria com Sandra, a gente vinha treinando com o objetivo de ganhar a medalha de ouro, conta Jacqueline em Jackie do Brasil Autobiografia de uma jogadora não autorizada, que chega às livrarias pela Ediouro. Eleita pela Federação Internacional de Voleibol a melhor jogadora de vôlei do mundo na década de 90, Jacqueline relembra os altos e baixos dos seus mais de 30 anos de carreira e desfaz, com franqueza desconcertante, muitas fofocas nas quais foi envolvida. Das partidas disputadas na infância na praia de Copacabana até o lugar mais alto do pódio olímpico, Jacqueline enfrentou muitos desafios. Considerada bad girl por suas atitudes polêmicas (certa vez vestiu o uniforme do avesso por se recusar a fazer propaganda do patrocinador de graça), foi expulsa da seleção brasileira aos 23 anos. Sua carreira poderia ter acabado aí se não fosse ela a teimosa que é. É melhor ser brigão que ser bundão. Nunca vi um bundão vitorioso, pensou. De cabeça erguida, continuou a lutar corajosamente pela dignidade do esporte e por melhores condições dos esportistas brasileiros. Se hoje o voleibol do Brasil pode ser comparado ao de países como Cuba e China, devemos grande parte dessa vitória a ela. Jacqueline é um dos pilares do vôlei feminino brasileiro, afirma o comentarista esportista Galvão Bueno. Jackie do Brasil Autobiografia de uma jogadora não autorizada está repleta de vitórias e derrotas: as primeiras partidas pelo Flamengo, a convocação para a seleção juvenil, a primeira medalha de ouro, a participação da seleção de vôlei nas Olimpíadas de Moscou, os conflitos com Carlos Arthur Nuzman, então presidente da Confederação Brasileira de Vôlei, o exílio involuntário nos Estados Unidos, onde ajudou a difundir o vôlei de praia, as brigas polêmicas com as jogadoras e parceiras Sandra e Ana Paula. Em determinados momentos, o leitor irá se sentir como se estivesse dentro da cabeça da jogadora, pois tamanha sinceridade só mesmo em pensamentos. São muitas as histórias engraçadas, como a que aconteceu no início de sua carreira, numa viagem da seleção à Polônia. Num dia eu estava com tanta fome que enrolei um fio de cabelo no restinho do bife e chamei o garçom para reclamar. O maior constrangimento, mas só assim a gente conseguiu um pouco mais de comida. Sua amizade com Isabel, jogadora de vôlei que estudou no mesmo colégio, também rende risadas. A Isabel e eu sempre deixávamos o trabalho para fazer no último dia, aliás, na última noite, o prazo estourando. Como estávamos em regime de concentração, as luzes eram apagadas às 10 horas da noite, e a gente era obrigada a ir dormir. Eu ia com a Isabel para o banheiro, cheias de livros, eu ditava, ela escrevia, ela ditava, eu escrevia, aquela loucura. Jacqueline continua sua luta, dedicando-se às novas gerações. Ela acredita que é através da educação que se pode dar um grande salto na história do esporte nacional. Suas conquistas são motivo de orgulho para todos os brasileiros e sua história serve de exemplo e incentivo a todos os que pretendem alcançar objetivos difíceis, no esporte ou não.