A editora Globo reedita um dos romances fundamentais de Oswald de Andrade e da moderna literatura brasileira, Serafim Ponte Grande, acompanhado de textos de Saul Borges Carneiro (escrito no calor do momento, em 1933), de Haroldo de Campos (com grande profundidade analítica) e do próprio Oswald - além de uma minibiografia de 15 páginas na forma de uma "Cronologia". Serafim Ponte Grande é um romance paulistano, em que tipos, nomes, lugares, circunstâncias históricas e relações sociais da grande metrópole estão presentes. Ao mesmo tempo, é um romance urbano no sentido lato, pois tudo nele reflete o ritmo e a visão de mundo desencantada (em mais de um sentido) do homem urbano. Ainda, é urbano na linguagem, tanto no nível textual, em seu estilo, quanto no nível estrutural (como bem descreve Haroldo de Campos). Pois incorpora todas as conquistas da arte moderna, como a ironia, o coloquialismo e a fragmentariedade (deixando para trás mesmo a radicalidade de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis), mas principalmente a consciência construtiva. O romance não se pretende mais, como em Balzac, Zola e mesmo Proust, uma imitação da realidade, pois se sabe um romance. Como disse certa vez um pintor a alguém que assim lhe censurava: "Essa mulher tem o braço comprido demais". "Mas, minha senhora, não é uma mulher, é uma pintura". Equivalentemente, diz um personagem do livro a outro: "Quem é neste livro o personagem principal? Eu ou você?". Como fariam, a sua maneira, Pirandello, Brecht e Beckett. Tal consciência construtiva também se reflete na linguagem, que é multiforme (indo do diário à errata). Resta dizer que Serafim Ponte Grande é também urbano em sua crítica radical da mediocridade pequeno-burguesa. Oswald de Andrade é mais conhecido como poeta do que como romancista. Não porque seja um romancista desimportante, mas porque sua poesia e, ao mesmo tempo, sua militância poética, no contexto da renovação modernista de 1922, foram fundamentais para a poesia brasileira moderna (sem Oswald, ao lado de Mário de Andrade e Manuel Bandeira, não haveria, por exemplo, Drummond). Se sua prosa não foi proporcionalmente fundamental para a prosa brasileira, não decorre, porém, de qualquer falta de radicalidade sua em comparação com a poesia, mas da própria importância de sua poesia: é como se, ao ser um poeta historicamente fundamental, não pudesse ser também um romancista fundamental - posto que teria de deixar, portanto, para outros autores. A conseqüência seria um vazio na história do romance brasileiro. Pois, circunstancialmente, os grandes nomes do romance brasileiro da primeira metade do século XX ficaram sendo de autores de temática e sintaxe regionalistas e agrárias, ao mesmo tempo em que o Brasil se urbanizava. O moderno romance urbano brasileiro, que teve como grande precursor o Machado de Assis de Memórias Póstumas e de Memorial de Aires, ficaria então numa espécie de limbo. Se o sertão teria, então, seus grandes romancistas, o mesmo não se pode dizer das cidades brasileiras. Ou talvez se possa, se afinal se levar em conta, por exemplo, obras como Serafim Ponte Grande.