A fome, como questão política, entrou na agenda brasileira desde 1946, quando Josué de Castro publicou o clássico Geografia da fome, sublinhando que a subnutrição de milhões de pessoas nada tem a ver com a fatalidade, seja climática, seja religiosa. Em 1991, o candidato Lula, derrotado na eleição presidencial anterior, incumbiu o Instituto Cidadania de elaborar um programa de segurança alimentar e nutricional para o Brasil, tarefa desempenhada por José Gomes da Silva. Segurança alimentar é um conceito que data da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e tem a ver, sim, com segurança nacional. A soberania de uma nação corre o risco de fragilizar-se na medida em que ela não assegura à sua população alimento em quantidade e qualidade suficientes; não prevê estoques reguladores nem medidas preventivas às calamidades naturais e vê-se obrigada a importar alimentos imprescindíveis à cesta básica. Participei da reunião no Instituto Cidadania, em São Paulo, na qual o governo paralelo de Lula lançou o programa de segurança alimentar e nutricional. Na ocasião, Lula encarregou Betinho, Herbert José de Souza, de levar a bandeira às ruas, dando ensejo à Ação da Cidadania. Três razões motivaram o fundador do PT a oferecer ao país um programa daquela índole: 1) o alarmante crescimento da miséria, agravada pela estagnação econômica dos anos 80 e do progressivo aumento da desigualdade social; 2) o imperativo de incluir a fome na agenda política, "desclandestinizando-a", à semelhança do que ocorreu com a escravatura: após seus 358 anos de vigência no país, ela só foi oficialmente abolida por figurar na pauta política das décadas precedentes a 1888; 3) sua origem pessoal. Ao contrário de Nilo Peçanha, único presidente do Brasil que veio da pobreza, Lula nasceu na miséria. Pobreza, como dizia dom Helder Câmara, é viver do indispensável. Miséria é carecer do indispensável. A experiência da fome em sua infância marcou definitivamente o caráter do atual presidente. (...) Ao contrário da maioria dos programas de combate à fome, o Fome Zero não é assistencialista, nem se resume a ações emergenciais. Trata-se de uma política de inserção social, para a qual, mais importante do que distribuir alimentos, é gerar renda, trabalho, resgatar a auto-estima e a cidadania. Mas ações emergenciais não ficam descartadas, até porque "a fome não pode esperar", alertava Betinho. Este livro reúne alguns dos textos que foram produzidos em torno das discussões e propostas do Fome Zero. Seu intuito é promover o debate, divulgando amplamente as questões suscitadas pelo programa, seus resultados parciais, as projeções e expectativas nascidas a partir de sua implantação.