Poemas coronários, dá continuidade à publicação das Obras reunidas de Cyro dos Anjos, coordenadas e fixadas por Wander Melo Miranda. Trata-se de poemas surpreendentes por vários motivos. Em primeiro lugar, por seu autor ser um romancista consagrado. O aparante paradoxo reside no fato de que a história literária oferece muito poucos exemplos de ficcionistas que são também poetas (e vice-versa), pois as duas linguagens têm naturezas bastante distintas. Em segundo lugar, por seu título. Coronário é, denotativamente, relativo a coroa, podendo então se tratar de um livro que culmina, que coroa uma obra (de fato, trata-se de seu último livro, publicado originalmente em 1964). No entanto, aqui coronário se refere mesmo à circulação cardíaca, e mais especificamente, à doença cardíaca: um título mais fisiológico do que propriamente literário. E em terceiro lugar, porque seus poemas são difíceis de enquadrar. Eles dialogam, na verdade, com várias tradições, e o que faz sua unidade na disparidade são, ao mesmo tempo, a ironia e a reflexão. A primeira pode ser de viés modernista, e então mais explícita, como no oswaldiano "Não sei quem sou nem o que valho" (poema 6, p. 39), que começa em tom sério-lamentoso para terminar com uma inversão coloquial, com Robinson Crusoé "acendendo seu foguinho na ilha". Ou pode se dar na forma de paródia explícita, como na abertura ("Lira Ingênua de Belmiro Montesclarino, Cavaleiro da Ordem Hospitalária e Escritor Menor, Membro da Academia dos Angustiados. Compostos durante a Enfermidade do Autor, Que, segundo se Verá, é Imperito nas Artes Poéticas, Mas em Temerário Assomo Quis Dar Expressão às Visões e Efusões das noites em claro"). Ou pode, ainda, como afirma Paulo Franchetti em seu esclarecedor posfácio, em clave reflexiva, "ser uma poesia que alcança momentos de densidade e tensão lírica, como, por exemplo, no poema 10, que também pode ser lido numa clave metalinguística.