"Um livro-entrevista que se lê como um romance" - é assim que o escritor Ignácio de Loyola Brandão define Dossiê Gabeira - o filme que nunca foi feito, livro que traz a íntegra de uma super-entrevista gravada pelo repórter Geneton Moraes Neto com Fernando Gabeira, um dos mais ativos, originais e polêmicos personagens da cena política brasileira nas últimas décadas. Sem medo de controvérsia, Gabeira faz uma autocrítica rigorosa de uma trajetória marcada por lances dramáticos, como o seqüestro do embaixador americano em 1969, a prisão e o exílio. Depois, faz um grande balanço sobre o fim das utopias e traz a discussão para hoje. Gabeira faz provocações e mantém o tom polêmico ao tratar de temas atuais. pergunta, por exemplo, por que é tão difícil organizar, no Brasil, homenagens a policiais mortos em serviço - um tema-tabu para militantes das causas dos direitos humanos. O depoimento traz revelações, como, por exemplo, o nome de um famoso ator da TV Globo que participou da operação para disfarçar guerrilheiros que tinham seqüestrado o embaixador - um golpe espetacular contra o regime militar brasileiro. Gabeira põe um ponto final numa polêmica : definitivamente, quem escreveu o manifesto lido nos rádios e nas TVs não foi ele, mas o atual ministro-chefe da secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, o jornalista Franklin Martins. Entre as histórias surpreendentes, estão os esforços - fracassados - do senador Antônio Carlos Magalhães, para obter, junto à embaixada dos Estados Unidos no Brasil, um visto que permitisse a entrada de Gabeira em território americano. Quatro décadas depois do seqüestro, o hoje deputado Fernando Gabeira não pode entrar nos Estados Unidos. O que Gabeira tem a dizer sobre a acusação que lhe foi feita por Glauber Rocha: a de que teria proposto o "suicídio" do cineasta brasileiro ? "Geneton não poupou nada, perguntou tudo", escreve Ignácio de Loyola. "Daí este livro oceânico, em que há Freud, Fidel, Glauber Rocha, Marx, Nelson Rodrigues, Vianinha, ACM, Sergio Fleury, o caçador de subversivos, Frei Tito, que se matou na França, Romeu Tuma (vejam como Gabeira convive na política com o homem que lhe fez perguntas na prisão), torturadores, Franklin Martins (o idealizador do sequestro do embaixador Elbrick, hoje afastado do ex-companheiro), Tarso de Castro, José Dirceu (epa!) e dezenas de outras figuras relevantes". Fernando Gabeira tem estado no centro da cena política brasileira desde os anos 1960. Primeiro como integrante da guerrilha urbana contra a ditadura militar, depois como um dos mais destacados personagens do período da anistia e da volta dos exilados, por fim como um dos mais importantes e respeitados políticos em âmbito nacional das últimas décadas. Dossiê Gabeira - o filme que nunca foi feito aproveita os 40 anos de um dos episódios mais dramáticos dos "anos de chumbo", o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick pelo grupo de Gabeira, os 30 anos da anistia e os 20 anos da queda do Muro de Berlim para fazer um retrato da história recente do Brasil na visão privilegiada de um de seus principais protagonistas. Tudo devidamente embalado por um tratamento gráfico ao mesmo tempo belo e de impacto, que joga com a cor vermelha - a cor da esquerda, do sangue e da paixão. O experiente jornalista Geneton Moraes Neto abre o livro como um filme policial, com a descrição da cena em que Fernando Gabeira é baleado em plena rua e, caído, espera pelo tiro fatal. O depoimento é marcado por afirmações de grande significado e poder de síntese - como "a revolução cubana era defensável porque tínhamos poucas informações sobre ela", "a notícia do suicídio do Frei Tito passou a ser um marco na minha avaliação sobre os fatos e as pessoas daquele período" ou "a leitura do Século XX é esta: as utopias foram sanguinárias porque deram sustento e fundamento teórico para uma série de crimes". O livro histórico de Geneton Moraes Neto é, em resumo, uma superentrevista com o jornalista que um dia virou guerrilheiro: três décadas depois da volta dos exilados, Fernando Gabeira revê aventuras, ilusões, sonhos e pesadelos da geração que agitou o Brasil.