A leitura e o lugar da Bíblia na vida eclesial constituíram um dos temas mais candentes tratados no Concílio Vaticano II, algo que se re­fletiu no longo e tenso processo de redação daquele que alguns consideram o mais importante documento emanado dessa assembleia: a constituição dogmática Dei Verbum. Por um inovador entendimento do teor da revelação divina, ela veio reforçar o movimento de respeito ao texto bíblico e de superação de interpretações que tendiam a fazer da Escritura apenas a confirmação de teses anteriormente definidas, no campo da doutrina e da moral, bem como no das dinâmicas institucionais. Porém, esse vento novo sofreu as investidas de grupos defensores dos que se tomavam como autorizados guardiões da ortodoxia: houve quem nele visse os bafos do Anticristo... Na América Latina, e particularmente no Brasil, sofremos ações contrárias à concretização do entendimento da Igreja povo de Deus e ao compromisso histórico com as causas dos empobrecidos; a tentativa de desmantelamento da teologia da libertação e sua presença nas instituições teológicas; especificamente no tocante à leitura da Bíblia, assistimos ao fortalecimento de caminhos interpretativos na contramão das diretrizes conciliares, de cunho espiritualista, fundamentalista e moralista. No entanto, apesar das investidas e cerceamentos, o novo modo de ler a Bíblia, o estudo exegético e as experiências comunitárias, eclesiais e ecumênicas continuaram o seu curso e, ao longo desses cinquenta anos após o término do concílio, têm fertilizado muitas comunidades, desdobrando-se nas lutas sociais e ações pastorais; continuam crescendo como "flor sem defesa".