Tem hora que parece que o Brasil anda pra trás. Nos anos 1940, 50, 60 nós tinhamos escola pública de primeira qualidade, trens de passageiro para viagens de longo curso (trens limpos e no horário) em quase todo o país (como acontece nos países adiantados), jogo aberto e não só na mão-grande do governo (como acontece...), ensino de música nas escolas (esforço de nosso gênio da música, Villalobos), bacalhau barato nas vendas do interior (por artes do mercado), etc. Perdemos isso tudo, mas não é de perder também a esperança: o ensino de música está voltando. As outras coisas na certa voltarão, se a gente lutar por elas e acontecer de uma onda de lucidez alcançar a cabeça do povo lá de Brasília. Uma coisa é dizer que no Brasil já houve - entre outros bônus - escola pública de primeira. Outra coisa é um grupo humano de alta qualificação, falando na primeira pessoa, dando nome, sobrenome, endereço e data certa, dizer isso com todas as letras e produzir, numa linha de autenticidade - e emoção -, um texto tão gostoso de ler. De fato, é divertido ver pessoas sérias revirando a cuca pra tirar lá de dentro, tantos anos depois, que nota dar ao professor de matemática, avaliar quantas das colegas foram fazer Filosofia porque estavam apaixonadas pelo professor, conferir o que pensavam da classe as duas meninas vindas do Rio (e o que aqui pensavam delas e de seu otaque carioca...). É divertido, mas esse livro, tão despretencioso, é mais do que isso: é um documento sobre a educação no Brasil e sobre o crime que sucessivos govenos vem fazendo para deixar nossas crianças - principalmente as crianças pobres - na mão da mercância e da mediocridade em que se transformou o ensino entre nós. Não é preciso ir longe: um dos depoimentos - o de Cilene Magalhães - conta que terminou o colégio tendo lido, em função das aulas de Português, praticamente Eça de Queirós inteiro.