E nesta obra Arnaud Spire não pretende "reinterpretar" Marx nem fazer a triagem do que pode ou não ser "conservado"e ainda menos aplicar às nossas realidades um conjunto de ideias previamente identificadas como "comunistas". Este género de trabalho está sempre associado aos fracassos que se conhecem. Pelo contrário, as nossas realidades tornam possível uma leitura apro-priada à estimulação de uma consciência que nasce, sem cessar, da pluralidade efectiva dos possíveis. Se o próprio Marx pode recusar a denominação "marxista" foi por razões de fundo essenciais: sedentarizar o seu pensamento num dogma, num ideal prévio teria contrariado o curso da sua marcha de transcendência dos positivismos e messianismos envolventes. É, pois, desta maneira, estranha a Marx, que a sua obra pôde - e pode ainda - ser lida e "praticada". Marx escreveu e reescreveu, muitas vezes, que o comunismo é um "movimento real" que a teoria apenas pode "manifestar"; esta nunca parou de pretender definir-lhe os contornos e de lhe determinar o devir. Bem entendido, que este desvio pode apoiar-se em textos contraditórios do próprio Marx e que Arnaud Spire, muito bem cita. Fica ainda que em sedentarizando o nómada Marx, este se tornou, um sé-culo depois, o mais desconhecido dos ilustres. Arnaud Spire procura demonstrá-lo a propósito do individualismo, da democracia, do poder, da religião e da propriedade. A proposição que "o grande mérito"do pensamento de Marx foi o de tornar possível a passagem de uma concepção "sedentária" do pensamento comunista a uma concepção "nómada" constitui um dos maiores contributos deste livro. ARNAUD SPIRE, filósofo e jornalista, autor de inúmeras obras, entre as quais O Pensamento Prigogine que o Instituto Piaget publicou.