Onde ancorar hoje uma poesia ‘segura’ que não esteja em crise, que não refaça sistematicamente seus pontos de apoio e sustentação? Alguns mundos livro de poesia de Virgínia Mota, parece partir deste lugar, ao assumir-se como objeto experimental em atmosfera de interrogação e abertura a múltiplos sentidos. Contribui para isso o efeito produzido por uma voz lírica de tom impessoal que, mesmo quando interiorizada, retira desse processo não tanto uma marca individual, mas antes um apelo ao comum, à comunidade: e eu/eu não veio/eu não chegou/para dizer/eu é coisa/precisamente/eu é / nós/ assim/alvorada fora. Refazendo um dos gestos fundadores da poesia moderna, (eu é / nós), o poema retorna aqui como não-coincidência entre o eu que escreve e aquele reconfigurado pela escrita. Sob a presença tutelar de Adília Lopes, todavia, este gesto refaz-se como negação autotélica e reinvenção de itinerários: tão importante é lembrar quanto esquecer. [...]